Mostra de SP segue até dia 30 com sessões presenciais e online
A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue na capital paulista até 30 de outubro. Nesse ano, estão em exibição 419 títulos de 82 países, distribuídos em mais de 20 salas de cinema de São Paulo. A programação completa da Mostra está no site oficial, em https://48.mostra.org/. nas plataformas SPcine Play e Sesc Digital, vários títulos online estão disponíveis gratuitamente ao público. Confira abaixo drops de filmes da Mostra que recomendo.
Maria Callas
O chileno Pablo Larraín encerra sua trilogia de biografias femininas com talvez o melhor dos três trabalhos, ‘Maria Callas’, um belíssimo drama que reconstitui os últimos dias da cantora lírica greco-americana, em Paris, no final dos anos 70. Anteriormente Larraín fez ‘Jackie’ (2016), sobre Jacqueline Kennedy no dia da morte do presidente Kennedy, e ‘Spencer’ (2021), sobre princesa Diana na difícil decisão de se separar de príncipe Charles – nos dois, as atrizes foram indicadas ao Oscar, Natalie Portman e Kristen Stewart. E agora, Angelina Jolie é Maria Callas, numa interpretação assombrosa, a melhor de sua carreira, e provável indicada ao Oscar em 2025. O filme acompanha a tumultuada trajetória da cantora, em crise com a voz, atormentada pelo passado e dependente de sedativos. Ela entra numa fase de autodestruição, isolada em sua mansão, somente em contato com seu mordomo (Pierfrancesco Favino), a cozinheira (Alba Rohrwacher) e com uma figura que ela cria em sua mente, uma espécie de autocontrole/alterego, que tem o nome do remédio em que ela é viciada, Mandrax (Kodi Smit-McPhee). Temperamental, Maria recorre a lembranças da época de ouro de sua carreira, nos anos 40 e 50, enquanto tenta voltar aos palcos com sua melhor performance. Belo e trágico, tem uma esplêndida direção de arte e figurinos, que é um investimento estético fora de série nas obras de Larraín. Indicado ao Leão de Ouro em Veneza, a coprodução Itália, Alemanha e Chile traz um elenco em sintonia. Exibido também nos festivais de Nova York e Londres, deverá entrar em breve na Netflix.
A cozinha
Saí atônito da sessão de imprensa desse que é um dos melhores filmes da Mostra de SP e já integra a minha lista dos grandes filmes do ano – e que deve estrear em breve nos cinemas (por isso, deixem no radar). Com um elenco mexicano e norte-americano, o filme é uma brutal reflexão sobre xenofobia/imigração nos Estados Unidos, e tudo acontece em um restaurante em Manhattan, um microcosmo dos dilemas e crises da sociedade. Na cozinha do ‘The Grill’ trabalham imigrantes mexicanos, muitos deles ilegais e sem documentos, que chegaram aos EUA para tentar nova vida. Uma grande quantia de dinheiro desaparece do caixa, e todos os funcionários são suspeitos – principalmente os mexicanos. Figura central na cozinha, Pedro (Raúl Briones) é acusado pelo furto, mas nega; temperamental, ele fala o que vem na mente, e apesar de bom cozinheiro, arruma confusão facilmente. Ele acabou de engravidar uma das garçonetes, com quem passou uma noite, Julia (Rooney Mara), que é americana. Quando ela conta a Pedro que deseja abortar, uma crise entre os dois se estende para dentro da cozinha, criando um ambiente insuportável. Rodado num preto-e-branco incrível, com uma ou outra cena com cor, o filme é construído com inúmeros planos-sequencias de tirar o fôlego, com momentos que marcarão a memória do público – como a cena da confusão na cozinha, que dura 10 minutos, com pratos caindo, gente brigando e uma máquina de Cherry Coke explodindo. Além da xenofobia, o drama é uma crítica severa à exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo. Destaque para o elenco todo, com especial menção a Briones e Mara, e a superdireção do mexicano Alonso Ruizpalacios, do espetacular e premiado filme de assalto baseado em fatos ‘Museu’ (2018). Exibido nos festivais de Berlim e Tribeca. Em breve nos cinemas.
O brutalista
Um dos grandes filmes da Mostra desse ano, que teve todas as sessões esgotadas no festival, e cotadíssimo para o Oscar de 2025. Suas 3h35 de duração não atrapalham essa que é uma saga moderna e grandiosa, que conta a longa trajetória de um arquiteto judeu que viveu os horrores do campo de concentração e chega aos Estados Unidos logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A esposa, doente, ficou na Europa, e ele, sozinho, recomeça a vida na América. Pobre e maltrapilho, mas com ideias visionárias, recebe o convite de um misterioso magnata da indústria para construir um templo religioso no alto de uma colina na Pensilvania. O arquiteto László Toth torna-se peça fundamental na consolidação do movimento Brutalista na arquitetura moderna, com seus prédios pesados, construídos apenas com concreto, simples, funcionais e sem ornamentos. O drama percorre 50 anos na vida do protagonista, que cruza países como Hungria, Itália e EUA, mostrando seus encontros e desencontros, a fatalidade, a construção/destruição de seus sonhos. É uma visão pessimista de uma América que não servia aos imigrantes. Adrien Brody entrega uma performance esplêndida, enquanto Felicity Jones, no papel da esposa, aparece a partir da metade, em um trabalho pessoal e condizente, e Guy Pearce é o magnata industrial, num de seus melhores momentos no cinema. Rodado na Hungria e na Itália em apenas 34 dias, com orçamento pequeno, de apenas U$ 6 milhões. Feito num VistaVision impressionante, que deve ser assistido preferencialmente na tela grande. Os letreiros iniciais correndo de lado é algo curioso e praticamente inédito. A trilha sonora ecoante de Daniel Blumberg e a fotografia com cores acinzentadas de Lol Crawley engrandecem a obra, já na minha lista dos melhores do ano. Venceu cinco prêmios em Veneza, incluindo melhor diretor, para Brady Corbet – que foi ator, de ‘Violência gratuita’, e prêmio da Crítica. Exibido ainda nos festivais de Toronto e Nova York, é produzido pela A24, e aqui no Brasil será distribuído nos cinemas pela Universal Pictures em 02 de fevereiro de 2025.
Memórias de um caracol
Uma animação para adultos das melhores já feitas, triste e emocionante, que deve entrar na lista dos indicados na categoria ao Oscar de 2025. Do mesmo diretor de ‘Mary e Max – Uma amizade diferente’ (2009), o australiano Adam Elliot. Seu novo filme remete aos personagens desiludidos de ‘Mary e Max’; agora conhecemos uma garota solitária que sofre bullying devido ao lábio leporino. Coleciona caracóis de decoração e ama livros. Ela conta sobre sua vida, marcada por perdas, a caracóis reais que andam pela sua horta – quando criança viu a mãe morrer, em seguida o pai doente também falece, e depois é separada do único irmão, gêmeo, levados para lares adotivos diferentes. Tomada por ansiedade e tristeza, não consegue contato com ninguém, até uma velhinha bem humorada surgir em sua vida; já o irmão está a milhares de quilômetros, do outro lado da Austrália, criado em uma família maníaca, extremamente devotos de uma religião que inventaram. Os dois, por meio de cartas, tentam se reencontrar. Com boas doses de humor, a animação é um autêntico e sofrido drama sobre tragédias familiares, esperança e reencontros, produzido em um incrível stop-motion. Um dos grandes títulos da Mostra de 2024. O filme venceu melhor animação no festival mais importante da categoria, o Annecy.
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