Menina veneno

Ritchie, 71 anos, celebra em 2023 os 40 anos de seu disco de estreia, “Voo de Coração”, cujo título foi retirado de um para-choque de caminhão. Neste LP, consta o maior sucesso de sua carreira: “Menina veneno”.

Nascido nos arredores de Londres, filho de militar, morou na Ásia, África e outros países da Europa. Chegou a começar o curso de literatura em Oxford, mas o abandonou para se dedicar à música. Ao gravar um LP, conheceu Rita Lee e Liminha, que à época pertenciam ao grupo “Os Mutantes” e que tinham ido a Londres para comprar instrumentos. Fizeram um convite para Ritchie visitar o Brasil. Ele veio em 1972, aos 20 anos, e ficou para sempre! Ano seguinte, casou-se com a arquiteta Leda Zucarelli e de São Paulo, foi morar no Rio de Janeiro.

Fez parte de várias bandas de rock progressivo. Uma delas, em 1975, a “Vimana”, tinha Lobão como baterista e Lulu Santos como guitarrista. Nesta banda, ele passou de instrumentista a cantor. A música brasileira estava numa fase em que muitos artistas assumiam anonimamente um nome artístico estrangeiro e cantavam em inglês. Cantavam mal. Ritchie apostava que se destacaria ao cantar com um inglês nativo. Não deu certo. Decidiu abandonar a carreira em 1977 e dar aulas de inglês. Dentre seus alunos estavam Paulo Moura, Gal Costa e Egberto Gismonte.

Em 1983 resolveu retomar a carreira e gravou um compacto com a música “Menina veneno”. Vendeu 500 mil cópias. Um recorde. Gravou um LP apenas com músicas em português. Além de “Menina veneno”, tinha "A vida tem dessas coisas", "Casanova", "Pelo interfone". Vendeu um milhão e 200 mil cópias. Neste ano, “Menina veneno” foi a música mais tocada nas rádios brasileiras. Fez uma turnê com 139 shows. A música “Menina veneno” foi composta por Ritchie e o poeta e compositor Bernardo Vilhena em apenas 20 minutos. Gravou a canção e bateu à porta de várias gravadoras. Depois de várias negativas, a CBS resolveu encampar o projeto musical. Foi um sucesso.

A carreira sofreu declínio ao sofrer boicote da própria gravadora nos discos seguintes. Brigou com o apresentador Chacrinha e ficou queimado na televisão como um todo após se recusar a participar de um playback que aconteceria ao mesmo momento em que tinha um show em Belo Horizonte. Em 1985, não foi convidado para a primeira edição do festival “Rock in Rio”. Apesar disso, com o nome feito nacionalmente, emplacou outros sucessos, ainda que sem o mesmo impacto de “Menina veneno”, inclusive em trilhas sonoras de novelas.

Curiosamente, embora viva no Brasil há 51 anos, só em 2022 conseguiu um visto de residência por tempo indeterminado. Até então, tinha que renovar o visto de trabalho de nove em nove anos. Tem duas filhas com Leda. Permanecem casados até hoje. Esta é a história do inglês mais brasileiro que já existiu.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.