Mel Brooks é a voz por trás de O Lendário Cão Guerreiro

Com o título genérico O Lendário Cão Guerreiro (Patas da Fúria: A Lenda de Hank, no original), não revela a qualidade profunda da animação que entrou em exibição esta semana no CineX, no Shopping de Catanduva, em sessões apenas dubladas. O que é uma pena, pois se perde a presença de dois dos dubladores originais, o quase centenário comediante Mel Brooks e Samuel Jackson (o Nick Fury dos Vingadores), este, pelo menos, com a voz do dublador do filme da Marvel.

O que se entende, em se tratando de uma animação que certamente tem como alvo o público infantil, que se encantará com os bichinhos fofos - mas o público adulto não ficará órfão, com o roteiro em camadas, diálogos dinâmicos que remetem a Tarantino e referências mil a filmes como Banzé no Oeste, Space Balls e Star Wars a Os 7 Samurais, bang bang italiano, Rocky, Karatê Kid, Shaft e muitos outros, inclusive, aludindo a diversas trilhas sonoras clássicas de Rocky, Amor, Sublime Amor, Mamma Mia! e... Cats.

Em diversos momentos foi 'quebrada a quarta parede’, como em Mulher-Hulk - quando os personagens se dirigem ao espectador, como se soubessem que estão num filme. Logo no começo, alguns gatos-soldados são atingidos pelo título do filme que cai sobre eles. "De onde veio isso?", pergunta um deles. “Do departamento de títulos do estúdio”, responde o outro. Em diversos momentos, os personagens se referem à própria trilha sonora, quando entra em cena um flashback e muda a iluminação. Em pelo menos duas ocasiões é lembrado que o filme tem apenas 87 minutos, descontados os créditos...

Os adultos ligados também acharão referências aos quadrinhos de Maus, ganhador do Pulitzer de literatura, em que os personagens são gatos e ratos. No caso, é sobre um cão e... muitos gatos. Um reino de gatos, onde um beagle atrapalhado chega para ser samurai - mas felinos não são bem-vindos e ele é condenado à execução pelo daymio Ika Chu, um senhor feudal nipônico. Ele tem planos de eliminar uma cidadezinha de gatos para não atrapalhar a paisagem quando chegar o Shogun, o maioral do reino. Para isso, manda seus gatos ninjas para eliminar o samurai que a protege, com sucesso. Mas para evitar que o Shogun descubra, precisa substituí-lo por um samurai fracassado – e o encontra em Hank. 

Aos trancos e barrancos, Hank passa a ser treinado por um velho samurai renegado, Jimbo, ou Django (nomes que rementem tanto ao filme de Kurosawa, Yojimbo, quanto ao de Tarantino). Além da rejeição dos gatos, o cão ainda terá de enfrentar ameaças que vão de um enorme gato mercenário, Sumô, até o próprio Ika Chu, que como vilão do momento não deixa de soltar uma frase: “Que tempo esse, em que pessoas de bem não conseguem matar quem é diferente”. Não podia ser uma crítica mais atual.    

Toda essa genialidade metalinguística é obra do roteiro de Mel Brooks (baseado em seu  Banzé no Oeste). Surpreendente é ver o nome do também comediante Richard Pryor, morto em 2005, entre os roteiristas, o que demonstra o quanto deve ter sido difícil o filme se tornar realidade - talvez a pretensão deles fosse transformar o enredo em filme live action, mas não se perdeu nada em ver a animação digital. 

Autor

Sid Castro
É escritor e colunista de O Regional.