Masculinidade Tóxica

Inspirado no filme Matrix, o termo "Red Pill" — pílula vermelha — vem sendo utilizado por grupos masculinistas para simbolizar um suposto "despertar" dos homens diante de uma realidade que, segundo eles, estaria sendo encoberta pelo feminismo e pela cultura moderna. À primeira vista, esses discursos podem parecer inofensivos ou até motivacionais, especialmente para adolescentes em busca de identidade. Mas, por trás de frases de efeito e vídeos sedutores nas redes sociais, esconde-se uma ideologia misógina, perigosa e violenta.

O movimento Red Pill vem crescendo no Brasil, impulsionado por influenciadores que conquistam milhares de seguidores com conteúdos que culpam as mulheres por tudo: pelo sofrimento masculino, pela destruição da família, pela suposta perda de poder do homem na sociedade. Thiago Schutz, autor do chamado Manual Red Pill, é uma das figuras mais conhecidas dessa vertente. Seu material propaga a ideia de que mulheres são, por natureza, interesseiras e manipuladoras, e que o homem deve se proteger emocionalmente, evitando envolvimentos profundos e priorizando o status social e financeiro acima de tudo. Outro nome que se destaca é Rodrigo Góes, influenciador que ficou famoso por afirmar que “relacionamento é contrato, não amor”, defendendo que homens devem dominar afetivamente suas parceiras e manter relações frias, racionais e utilitárias.

Esse tipo de conteúdo circula principalmente entre adolescentes e jovens adultos, e se dissemina com rapidez por meio de algoritmos que premiam vídeos curtos, com linguagem provocativa e estética viril. O resultado é que cada vez mais meninos se tornam emocionalmente endurecidos, desconfiados das mulheres e hostis ao diálogo com figuras femininas, inclusive dentro da própria família. A ideologia Red Pill reforça o desprezo pela empatia e alimenta a crença de que a masculinidade deve estar associada ao poder, ao controle e à ausência de sentimentos.

Mas os efeitos disso não param por aí. O movimento tem consequências trágicas e concretas. A Red Pill promove a desumanização das mulheres, e isso tem alimentado comportamentos abusivos dentro dos relacionamentos, agressões e até feminicídios. Em um país como o Brasil, onde uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas, é urgente denunciar qualquer discurso que naturalize a violência ou que coloque as mulheres como alvos de ódio e vingança. Além disso, a pressão que essa ideologia impõe sobre os próprios meninos é brutal. Ao vender a imagem de que só é valioso o homem “alfa”, bem-sucedido financeiramente, emocionalmente inabalável e fisicamente forte, o movimento Red Pill contribui para o adoecimento emocional. Muitos jovens, ao não conseguirem corresponder a esse padrão irreal, mergulham em depressão, ansiedade e isolamento. Já há relatos de suicídios associados à frustração e ao sentimento de fracasso induzido por esses discursos.

É preciso que pais, mães, educadores e a sociedade como um todo estejam atentos. Muitas vezes, o envolvimento com esses conteúdos começa de forma sutil: o jovem assiste a um vídeo no TikTok ou no YouTube, segue um influenciador, começa a repetir frases como “homem de verdade não chora”, “mulher só quer homem rico”, ou “o feminismo destruiu tudo”. Quando esses sinais aparecem, não devemos apenas repreender, mas escutar com atenção. O jovem está, muitas vezes, tentando expressar dor, insegurança ou sentimento de inadequação — e encontra no Red Pill um falso consolo.

Por isso, é essencial resgatar com urgência a ideia de uma masculinidade saudável, que não exclui a sensibilidade, o cuidado e o respeito. Homens não precisam ser dominadores, frios ou impenetráveis para serem fortes. Precisam ser humanos. Precisam ter permissão para sentir, para errar, para se relacionar com respeito e afeto. E precisam ter adultos ao redor que os orientem com firmeza e amor, impedindo que sejam capturados por narrativas de ódio.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp