Mania de você

Manias todos têm: seja a forma de apertar de dentes, o lado escolhido na cama ou a insistência em pisar com o pé direito nos paralelepípedos das calçadas. Em psicologia não há um conceito específico sobre essa “mania” que aparece na fala popular. Ela bem pode se revelar em outras coisas: um hobby, um vício, um hábito e também comportamentos mais comprometidos, como os fanatismos e as compulsões. E não se refere apenas às ações concretas; há as ideias fixas e formas recorrentes de olhar e de gesticular.
 
Embora por vezes seja difícil fazer um diagnóstico preciso, é importante perceber quando a ação repetitiva está comprometendo a vida da pessoa, principalmente na convivência com os outros. Alguns se julgam tão cheios “manias” que evitam estabelecer vínculos afetivos mais estreitos, temendo que o outro invada seu espaço e desorganize seu mundo. Ou envergonham-se de suas ações repetidas porque as reconhecem como “sem sentido”, mas não conseguem impedir o impulso.
 
A repetição serve como um tampão para o vazio existencial. E traz de volta aquele prazer longínquo que o bebê obtinha em sua relação – totalmente simbiótica – com a mãe, que é ameaçado constantemente pela realidade. A repetição serve para afastar a angústia da separação. É muitas vezes em decorrência de um sofrimento intenso e latente provocado pelo sentimento de rejeição infantil que se consomem caixas e caixas de bombons, sem parar. A ideia repetitiva (só mais um) esconde outra (porque me sinto tão só). Os rituais, além disso, impedem de entrar em contato com a emoção.
 
Se todos os cabides estão virados para o mesmo lado, há um certo alívio no reconhecimento inconsciente de que as coisas estão no lugar. Embora possam não estar. Convivência requer compartilhamento e negociação, inclusive das “manias” individuais. Mas quanto mais inflexível, mais difícil acatar as exigências alheias.
 
Futebol é mania nacional, certo? Conviver com a pelada de domingo é simplesmente aceitar o gosto individual. Enquanto rola o futebol, o outro pode fazer qualquer coisa. Tentar negociar um cineminha em conjunto no fim do dia é uma das saídas positivas para casais com desejos diferentes. Por isso é preciso estimulá-los a abandonar a velha ideia de que um casal precisa fazer tudo junto, gostar das mesmas coisas, dormir no mesmo horário...
 
Se uma ação frequentemente incomoda o outro a ponto de provocar sentimentos ruins como asco, nojo ou medo, é sinal de que foram ultrapassados os limites da sanidade psíquica. Aí a questão é rever o “contrato” da união do casal, propondo mudanças e tratamentos. A verdade é que quanto mais manias, menos liberdade há. E o aprisionamento pode afastar os momentos de intimidade. Também é preciso diagnosticar se o que vem com o rótulo mania tem conteúdo de compulsão. Há quem tenha também mania do outro, Mania de você, como canta a Rita Lee. Distinguir a vontade de estar junto da simbiose é essencial.
 
Muitos casais têm conseguido resolver a questão com saídas interessantes: dois banheiros, dois quartos, dois computadores. Outros reservam um espaço de intimidade para cultivar hábitos individuais sem incômodo. Essencial é reconhecer quais são as necessidades individuais e aprender a respeitá-las.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp