Mais uma vez

Proteger os artistas, tirá-los da obscuridade ou auxiliá-los no estudo ou divulgação de suas obras era para o imperador D. Pedro II quase uma obrigação; era, pelo menos, um dever ao qual entendia estar ligado pela condição mesma do cargo de chefe de Estado. Ficou famoso seu bolso de onde retirava dinheiro para incentivar e investir, principalmente, em arte, cultura e ciência. Sempre que algum artista, pensador ou cientista, qualquer pessoa ligada ao pensamento, passava por situação financeira difícil, o imperador enfiava a mão no bolso para socorrer.

Também não é novidade que D. Pedro II fez teatro na mocidade e incentivou suas filhas a frequentarem as aulas de artes cênicas pois reconhecia sua importância na formação humana, cultural e social do indivíduo. Há a famosa passagem em que promovendo um dos muitos eventos artísticos no palácio, ao saber que os artistas contratados haviam sido encaminhados para a entrada dos fundos, o imperador exigiu que entrassem pelas portas da frente, justificando sua atitude como um reconhecimento à importância dos atores.

Não estamos analisando a política, a ação do monarca e muito menos sua importância para a história do Brasil. Isso está nos livros, na internet, nos documentários.

A questão aqui é outra.

Qual o papel do chefe de estado, do poder público, dos administradores e gestores de cultura diante das dificuldades que são inerentes à ação cultural, à vida artística e sobrevivência dos produtores de arte e artistas em si?

Finalmente os recursos da Lei Paulo Gustavo estão liberados. Depois de muita luta e atraso, surgem os editais de cultura. Administrados por quem? Certamente que não pelos artistas. Os recursos estão nas mãos de quem não precisa dos recursos. A demora é o de menos, para eles.

E o encaminhamento dos recursos é uma afronta. Depois de muito atraso, surgem os editais (há que se adiantar que em muitos municípios eles ainda não foram publicados, ou seja, estamos na espera) que exigem que o artista inscreva sua proposta em duas semanas!!! Para quem não é do ramo, duas semanas para elaborar um projeto visual ou de qualquer expressão artística cultural é pouquíssimo tempo. Porque, além do conceito artístico – o que já é complexo – o produtor precisa pensar todo o projeto do ponto de vista de custos, execução, questões jurídicas, documentação (que muitas vezes demora a ser obtida), logística, profissionais envolvidos, material de produção etc. Enfim, é um processo desgastante e que nós, artistas, por mais acostumados que estejamos participando de editais ao longo do tempo, nos vemos sob a pressão de apresentar um projeto de qualidade para conseguir os recursos do edital, vencer a concorrência e depois – caso selecionado – executar em tempo recorde a produção e apresentarmos ao público.

Evidentemente que, para muitos, isso soa como “lá vem o artista chorando e lamentando”, pensam do alto de seus cargos seguros e empregos garantidos.

Mais uma vez, em meio a todas as dificuldades da própria profissão acrescidos os desafios do momento de crise mundial, cá estamos nós artistas sem condições de gerir os recursos que só interessam a nós, artistas. Mais uma vez, nas mãos do poder público.

Apenas lembrando que, como D. Pedro II, mais recentemente na pandemia, foram muitos os chefes de estado que – conscientes das dificuldades da classe artística – investiram muito na recuperação do setor. No Brasil, à época da pandemia, o setor cultural já estava sendo massacrado pelo péssimo governo que não tinha o mínimo apreço e reconhecimento pela cultura. A pandemia veio trazer um caos ainda maior a todos nós.

Agora, num momento que temos mais abertura, investimento e reconhecimento, os recursos ainda nos chegam (caso o artista consiga ser selecionado com seu projeto) nos editais que nos pressionam a fazer o melhor sem as menores condições de trabalho.

Não é o caso de ter ideias – felizmente ao artista não faltam ideias -, mas sim de poder colocá-las no papel sabendo como vai poder administrá-las e materializá-las.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.