Magrelas da minha vida
Tive algumas magrelas ao longo da vida. Não muitas, mas não só uma ou duas. Não sei exatamente quantas, mas sempre tive uma por perto. Para quem não sabe, magrela é um apelido comum das bicicletas, pelo menos eu nunca optei por usar um nome próprio ou um apelido só meu. No máximo das variações, bicicleta, bike ou magrela.
Não me recordo da primeira, aquela com rodinhas para garantir o equilíbrio, nem da seguinte, mas sei que a próxima tinha cor verde e garantiu o trajeto diário de casa até a escola, no período da tarde, para as atividades extras como o karatê, por exemplo.
Os primeiros tombos foram com ela. Também estava nela quando tive um boné roubado e descobri que o mundo lá fora não era como nos desenhos animados. Já era um tempo em que as correntes dos vários tipos garantiam o mínimo de segurança para nosso meio de transporte, mas que capacetes e outros apetrechos eram raros.
Numa outra época, a bicicleta possibilitava viagens mais longas, cruzando a cidade de uma ponta a outra para estudar e jogar futebol. Algumas rotas tinham terra, outras só buracos mesmo. Duas acelerações indevidas resultaram em quedas não esquecidas.
Um dos percursos preferidos era o do Clube Recreativo Higienópolis, in memorian, mas aqueles que levavam a chácaras de amigos também trazem boas lembranças.
No retorno das aulas de educação física, não era nada fácil subir a rua São Paulo, o que me levava a preferir a caminhada. Empurrava a magrela que a cada quadra pesava um pouco mais. Lá no alto, ela estava pronta para seguir o trajeto, vez ou outra com escala na casa dos meus avós, para aquele bate-papo que não volta mais. E um refrigerante.
Foi lá que parei quando ganhei uma magrela em um bingo no Jardim dos Coqueiros. Como não cabia no carro e parecia ser fácil, cruzei a cidade pedalando. Que fim ela e as anteriores levaram, não sei, mas deram lugar a outras seguindo o ciclo da vida.
Mais recentemente, a bicicleta serviu para quebrar a rotina da vida adulta e sedentária. Ela não era das mais jovens, mas estava apta a cumprir seu papel até que decidi vendê-la. O anúncio chegou a ser postado nas redes sociais e pelo menos uma dezena de pessoas fez contato. Por um motivo qualquer, não tive pressa em definir seu novo lar.
O curioso é que, quando aquele rapaz que me recebe com simpatia para cuidar do meu carro nos eventos culturais da cidade contou que teve sua bicicleta roubada, não tive dúvida. Aquela bike já tinha destino traçado e algo ou alguém fez o que era preciso para que aquela magrela seguisse pelo caminho certo, na sua missão de ajudar alguém.
Guilherme Gandini
Jornalista
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