Mãe, bendita sejais

Bendita sejais: A mulher que manejava o sarilho e a caçamba para tirar água do poço. Que preparava a bacia com água morna para dar banho nas crianças. Que lavava a roupa em pequenos riachos (não poluídos) ou em tanques de alvenaria, embaixo de puxadinhos. Que torrava o café em torrador à lenha, para ser moído no moinho mimoso, o mesmo que servia também para moer pimenta do reino. Que usava o coador de pano preso num suporte de madeira para coar o café diretamente ao bule, em ágata esmaltado ou de alumínio, às vezes adoçado com rapadura. Que campeava galhos no campo para picá-los no machado e transformá-los em lenha para o fogão. Que lidava com o capado obtendo, além de inúmeros subprodutos, a gordura e os pedaços de carne que eram conservados em latas de 20 litros envoltos na mesma gordura. Que mantinha sobre o fogão à lenha, um varal com toucinhos e a linguiça feita com a tripa do próprio porco. Que cozinhava em panela de ferro, com gordura de porco, em fogão à lenha e ninguém sabia o que era colesterol ou triglicérides, porque praticamente não existiam. Que dividia parte da carne do capado com os vizinhos e sentia prazer em fazer isso. Que usava soda e os miúdos (vísceras) não aproveitáveis do porco para fazer sabão em tachos à lenha. Que matava pessoalmente o frango criado no quintal para prepará-lo com polenta (sem igual!). Que preparava a massa e fazia pão de casa de casca grossa, rosca doce, bolachinhas e biscoitos crocantes de polvilho, no forno à lenha (irresistíveis). Que aproveitava o pão velho pra fazer rabanada ou pudim de pão (que delícia!). Que preparava a massa com farinha de trigo Anaconda, banha de porco e ovos, e a amaciava no cilindro manual para ser estendida sobre a mesa e, assim, fazer a tradicional macarronada do domingo. Que socava o milho no pilão até transformá-lo em fubá. Que não deixava faltar o arroz, o feijão e uma mistura no almoço e sopa de feijão com pão no jantar, principalmente para as crianças. Que se sentia feliz em poder ver, aos domingos, as crianças saboreando no bico da garrafa de tampinha furada, o guaraná caçulinha. Que comprava o leite in natura em garrafas de um litro do qual tirava a manteiga em abundância. Que comprava os produtos básicos na venda e, quando não tinha dinheiro, marcava na caderneta. Que engomava de forma impecável, as camisas e os vestidos e usava ferro à brasa para passar a roupa. Que comprava tecidos e até o chamado “arranca toco” (próprio para o serviço da roça), na Casas Pernambucanas ou Casas Buri. Que costurava as roupas para a família e as remendava, quando necessário. Que cuidava das criações, da casa e da família. Que invariavelmente usava um lenço branco na cabeça para prender o cabelo. Que forçava os filhos a tomar sal amargo (beco!) uma vez por ano para limpar o sangue. Que usava losna amassada (horrível) para o estomago, mal estar digestivo e combater a verminose. Que usava cânfora com erva de Santa Maria para curar as feridas. Que não deixava faltar uma moita de erva cidreira e um canteirinho de hortelã no quintal. Que fazia escalda pés para aliviar as dores e o cansaço nas pernas. Que não sabia o que era sabão em pó, detergente ou desinfetante e, mesmo que soubesse, não teria dinheiro pra comprar. Que não usava óculos de sol e nem sabia o que era protetor solar. Que protegia os filhos embaixo da mesa da cozinha e queimava palma de Santa Barbara, quando dos temporais assustadores. Que acreditava em simpatias e em benzimentos: espinhela caída, mau olhado, lombriga, quebranto, mal jeito, cobreiro, etc. Que obrigava os filhos a frequentar a escola, mas não tinha tempo e nem conhecimentos para ajudá-los nas tarefas de casa. Que usava cera “Parquetina” para deixar o chão brilhando. Que usava areia de rio para dar brilho ao alumínio. Que usava lamparina a querosene ou lampião a gás para iluminar a casa. Que à noite, enquanto passava roupa, gostava de ouvir o programa de rádio do Moraes Sarmento, apesar do som, além de precário, ser quase inaudível em face às interferências. Que não sabia o que era pré-natal e dava à luz em casa, cujos filhos, quase sempre sadios e perfeitos, nasciam das mãos de parteiras. Que amamentava e fazia dieta à base de canja de galinha por quarenta dias. Que usava um pente virgem embaixo do chuveiro e penteava o seio para descer o leite. Que enfaixava os bebês até estes atingirem três meses de vida (coitados!). Que acordava antes do sol nascer e era a última da família a se recolher. Que ia à missa aos domingos com os filhos e os obrigava a frequentar o catecismo. Que oferecia prendas para a quermesse da igreja. Que chorava a morte de causa “de repente” de parentes, vizinhos e conhecidos. Que apesar da vida, sofrível, sem conforto, sem dinheiro e sem direito a lazer, ainda assim conseguia ser feliz. Bendita sejais, as mulheres que viveram esse tempo, principalmente nossas mães e avós. Bendita sejais, TODAS AS MULHERES pelo seu dia.
(Este artigo foi inspirado na minha mãe, Julia Fabricio Buch, in memoriam e, é dedicado a ela e a todas as mães pelo seu dia).
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