Lô Borges, mensageiro natural de coisas naturais

Salomão Borges Filho, o Lô Borges, foi um compositor e cantor brasileiro, que ajudou a fundar o “Clube da Esquina”, um grupo de artistas mineiros da MPB, durante as décadas de 1970 e 1980. No fim dos anos 60, Lô Borges ajudou a compor a Canção “Para Lennon e McCartney”, na qual a letra faz uma crítica à valorização musical-estrangeira – “Eu sou da América do Sul. Eu sei, vocês não vão saber”. A preferência aos Beatles não se tornara um entrave musical para o apreço às canções de Lô Borges, o que enalteceu a preferência pelos cantores mineiros.

A canção “Trem azul” (1972), além de emblemática, é uma superestrutura paisagística, que permeia outras composições musicais e coloca em funcionamento a função metalinguística. Trata-se de uma “arquitetura da paisagem”, para, em seguida, recorrer à “transformação simbólica” (Careri, 2014), por meio da utilização da linguagem – “frases que o vento vem, às vezes, me lembrar” e “na canção do vento, não se cansam de voar”. Passemos aos vagões estéticos das canções.

Na canção “Um girassol da cor do seu cabelo” (1972), o substantivo “girassol” abre uma gradação emotiva, ao conotar os símbolos telúricos da realidade. Arte poética, por excelência, o discurso botânico elucida três imagens: o vento caracterizando as intempéries, o vestido condecora as estações e o cabelo, que consagra as belas histórias, ou seja, os fios narrativos do cotidiano. A natureza, que, em dado momento, pareça ser imanente, celebra o movimento sentimental, pois desenha as cores da convivência. “Se eu cantar, não chore, não. É só poesia!”. A estética do belo põe em funcionamento o (gira)ssol, como símbolo do sujeito.

Em “Paisagem na janela” (1972), o eu referenciador parece calcar, no discurso drummondiano, a essência do Poema “Cidadezinha qualquer” (1930), visto que o panorama paisagístico, também, refletiu a vida cotidiana. Lô Borges utilizou o método descritivo, ao mencionar dois verbos: “ver” (igreja, muro, voo pássaro e grade) e “conhecer” (torre, cemitério, homens e velórios). A visão angular permeia a religiosidade acoplada à presença bucólica, uma vez que o voo pássaro demonstra o sublime transcendente, já que a natureza está acima do espaço concreto. A intimidade é revelada, a partir da apreensão socioespacial, ou seja, “os olhos são as janelas da alma”. Ser citadino não é participar do êxodo rural.

Nas demais canções, fica latente o belo paisagístico que, de forma elementar, conclama o sublime locomotivo. “Quem sabe isso quer dizer amor” (2002), ao retratar o sujeito pós-moderno, Lô Borges já inicia a composição narrando a correria: “Eu vim correndo à frente do sol”. O referido excerto conota o sublime, na luta contra a chegada do período matutino, visto que a natureza concorre para a concretização do amor. Como forma de fragmentar a identidade humana, Lô Borges faz menção aos fenômenos naturais, ou seja, delineando as condições adversas das relações sociais. No entanto, “o mundo lá sempre a rodar” projeta possíveis reviravoltas.

Embasado no discurso romântico, Lô Borges, na canção “Dois rios” (2003), deixou sua arte consagrada, a partir do sublime sideral – “O céu está no chão. O céu não cai do alto”. A (trans)posição do “céu” demarca a distinção dos “eus”, também pela motivação do signo “c(éu)”, na qual a localização espacial (belo) está atrelada à mente humana (sublime). Daí a colocação “dois rios inteiros sem direção” imprimir os corpos românticos, diante do mistério da vida. Afinal, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio” (Heráclito). No fim da canção, o sublime sideral parece ter sido (trans)versalizado, a fim de que houvesse a continuidade do ato romântico – “O Sol se põe, se vai e, após se pôr, o Sol renasce no Japão” –, o (re)nascimento solar.

As ocorrências do belo paisagístico, junto ao sublime transcendente, deram visibilidade poética às composições de Lô Borges. O método de substantivação da natureza coloriu o belo, com o intuito de elucidar as circunstâncias simples do cotidiano, levando em consideração a relação entre o sujeito e o “outro”. Apareceu o sublime pelos fenômenos mínimos, que encantaram o movimento do cotidiano. Podemos dizer que Lô Borges é um “mensageiro natural de coisas naturais”, cujo trem azul (arte) trará outros vagões (vertentes) históricos, poéticos e musicais.

 

Foto: Reprodução/Wikipedia

Autor

Prof. Dr. John David Peliceri da Silva
Formado em Letras, em Direito e Pedagogia. Mestre, Doutor e Pós-doutorando em Letras pela Unesp. Atua como Supervisor Educacional na Secretaria Municipal de Educação de Catanduva.