Literalismo
Já percebeu que a maioria das pessoas que levam tudo ao pé da letra é, além de chata, extremamente fanática? Já percebeu que quem interpreta o mundo (que é um símbolo) de maneira literal é “caga-regras” e, por isto, invariavelmente hipócrita? Já percebeu que a incapacidade de interpretar e aceitar as muitas nuances da existência, um infinito dégradé, entre o preto e o branco, está associada às visões totalitárias e padronizantes da vida?
Já percebeu que a falta de cultura literária leva ao literalismo? Já percebeu que, por isto, Santo Agostinho tinha razão quando dizia temer “o homem de um só livro”? Já percebeu que a expressão 8-ou-80 é uma falácia e que é no 44 indo um pouco para cima e um pouco para baixo que encontramos o equilíbrio? Já percebeu que extremistas do Estado Islâmico, da Ku Klux Klan, do Exército Budista dos Karen, etc, são iconoclastas e odeiam a Arte justamente porquê ela não é literal e dá margem às divagações da imaginação?
Já percebeu que quem quer compreender tudo “tim-tim por tim-tim” é inseguro de si e incapaz de aceitar que não se tem resposta para tudo e que é muito bom não ter resposta para tudo? Já percebeu que essa gente matou Sócrates, quis matar Galileu e ainda hoje gostaria de transformar sua raiva expressa em CAIXA ALTA (a ideologia do Shift + F3 tem milhões de seguidores, mais do que algumas religiões até) em chamas altas na fogueira?
Já percebeu que toda sorte de fundamentalismo começa com uma leitura literal da realidade, de um texto, de uma obra, de uma idéia, de uma pessoa? Já percebeu que o literalismo baixa o QI ao prescindir das abstrações e, com isto, tem sempre respostas prontas e igualmente fáceis e simplistas para quaisquer questões? Já percebeu que a capacidade de dizer “não sei” e “sou ignorante quanto a isto” está associada à virtude da humildade enquanto que comportamentos de sabichão estão associados à soberba, ao orgulho e à prepotência?
Já percebeu que a maioria das afirmações categóricas é feita sem qualquer categoria moral e espiritual, geralmente reverberando os caráteres frágeis que as proferem? Já percebeu o desespero que está gritando por detrás daqueles que gritam desesperadamente suas verdades? E que esta necessidade de afirmar conceitos de maneira belicosa é uma necessidade de inconscientemente reafirmar-se contra seus próprios auto-preconceitos?
Já percebeu que o mundo é complexo demais e que seus “cardos e abrolhos” (a linguagem do livro bíblico do Gênesis para se referir, não literalmente, por óbvio, às imperfeições humanas e planetárias) estão disseminados pela nossa carne mortal e pelos quatro cantos deste mundo que sim, se move redonda e esférica e circular e globalmente?
Já percebeu que este artigo está recheado de perguntas retóricas, disfarçadas com interrogações que são, igualmente, afirmações literalistas? Paradoxal, não? Certo? Errado? Sei? Não sei?
Tomemos mais água, mais café, mais cerveja, mais vinho e... menos cicuta. Bom dia!
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