‘Legado para uma cidade’

Pedimos permissão ao leitor para relatar uma experiência pessoal da Cia da Casa Amarela, para que possamos fazer uma nova reflexão semanal sobre as questões que envolvem a cultura em nossa cidade, como também de forma mais abrangente, para que todos os leitores virtuais, em qualquer lugar do planeta, possam trocar conosco mais uma vivência tão especial.
 
Durante toda essa semana, de 20 a 24 de junho, nos apresentamos com a peça 'Padre Albino: legado para uma cidade' para os funcionários da Fundação Padre Albino, em Catanduva. Era um desejo acalentado pela Fundação, considerando que o espetáculo estreou em 2018 em virtude do centenário da chegada de Monsenhor Albino. Após o imenso êxito da estreia e algumas outras apresentações, o projeto ficou engavetado em virtude da pandemia. Uma versão em vídeo, no formato de documentário, foi publicada no YouTube do Sesc Catanduva, em dois capítulos. Mas não é a peça. É um experimento cênico digital.
 
Duas apresentações por dia proporcionaram a oportunidade dos próprios funcionários da Fundação Padre Albino conhecerem um pouco da história desse homem ímpar, bem como suas obras extraordinárias que fizeram Catanduva crescer e se desenvolver de forma única. Obras essas que a maioria da população catanduvense desconhece, quais sejam a Igreja Matriz, o Hospital Padre Albino, Faculdade de Medicina, Faculdades de Administração e Educação Física, além das obras que ele estimulou e influenciou na cidade, como a Casa da Criança Sinharinha Netto, Vila São Vicente de Paulo, Lar Ortega-Josué, Ginásio Dom Lafayette, Santuário Nossa Senhora Aparecida e Colégio da Ressurreição Nossa Senhora do Calvário, entre outras.
 
Sendo uma pessoa tão determinante em nossa história local e regional, um exemplo de vida que, cotidianamente afirmarmos, “fez Catanduva”, Monsenhor Albino não é tão conhecido por nossa população, pelo menos como imaginávamos. Há uma surpresa nítida e clara das pessoas que revelam o desconhecimento sobre sua vida, suas obras e o quanto todos nós estamos inseridos nesse legado.
 
Por que tem que ser assim? Por que nos esquecemos, nos distanciamos, desprezamos a história? Quando não conhecemos a nossa própria história, não criamos identidade. Não temos personalidade, nem sabemos definir e entender de onde viemos, o que estamos fazendo aqui e onde podemos (ou queremos) chegar. 
 
Não conhecer e reconhecer a nossa história e a nossa cultura faz com que nos fechemos no círculo restrito de nossas próprias ambições pessoais somente e não vislumbramos o todo onde estamos inseridos, gostando ou não.
 
A obra gigantesca de Padre Albino extrapola o seu legado material: é uma herança humana porque ele trabalhou, deu sua vida, aos outros. Há quem possa afirmar: “mas sendo um religioso não fazia mais que a obrigação”. Somos uma sociedade e vivemos juntos. Enquanto não tivermos esse mesmo olhar em relação aos outros, a quem está ao nosso lado, não importa quem seja, não poderemos exigir um mundo melhor. 
 
Cada um faz o que pode, dentro de sua área de atuação. Inspirados por exemplos como esse, por um legado tão grandioso como o de Padre Albino, saímos da esfera religiosa, do rótulo, das vaidades pessoais, e passamos a enxergar a comunidade, o todo, as necessidades e anseios de uma cidade, de uma região e aí, cada um, coopera e trabalha com o que tem em mãos.
 
Por isso, estamos muito felizes, porque o público sai do teatro diferente de como entrou: não só conhecem a biografia do Padre Albino, como também se emocionam (muitos até às lágrimas) como a história de um homem bom, de um ser humano que se importava com o outro.É um registro histórico, cultural e humano. A Arte, o Teatro, a Cultura servindo a preservação da História. 
 
Como afirmou Cervantes, é “testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro”. E nós refletimos, questionando: qual o nosso futuro? Qual o nosso legado para uma cidade? 

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.