Justiça e Diversidade

Além dos limites dos nossos interesses pessoais, dos muros e paredes de nossas confortáveis residências, muito além das nossas considerações cotidianas, considerações filosóficas, da nossa presumida consciência e engajamento social, está a realidade fria das ruas. Não apenas dos que vivem sem um teto, mas também daqueles que (sobre)vivem sem uma perspectiva razoável de segurança e bem-estar mínimos, dos que não encontram proteção em suas humildes casas, porque a injustiça da sociedade brasileira passa por debaixo das portas e pela frestas dos muros e telhados.  

E nós outros, que vivemos a sucessão das festas tradicionais como orgia de consumismo, que fazemos da religiosidade e da benemerência um exercício da apologia das próprias qualidades, que colecionamos e exibimos diplomas como se eles fossem capazes de esconder a nossa própria estupidez, e que consideramos imbecis todos os que discordam de nós, somos cúmplices e legitimadores dessa ordem social injusta.  

Que democracia e justiça é essa em que há pessoas passando fome enquanto joga-se tanto alimento no lixo? Em que tantos não têm onde morar enquanto outros colecionam imóveis? Em que alguns não têm oportunidade de estudar enquanto outros acumulam diplomas? Em que muitos não têm acesso ao cuidado médico mínimo?…  

Não se trata de questionamento ao sistema político-econômico. Trata-se de cada um perguntar a si mesmo como dormir em paz, em meio a tanta injustiça, sem fazer nada. Por que permanecemos inertes?… Como podemos usufruir individualmente o mínimo de paz de espírito e felicidade sem cogitar de que todos os seres querem, precisam e merecem essas mesmas condições em suas vidas?… Como aceitar que o acesso à dignidade do ser humano possa estar condicionada basicamente à capacidade econômica e produtividade de cada um?...  

São esses questionamentos e é esse inconformismo que devem pulsar nas mentes dos voluntários, das pessoas que escolheram estar a serviço do próximo de forma desinteressada. Não porque sejam bons (e muito menos melhores), não porque sejam inteligentes (e muito menos sábios), não porque tenham mais condições financeiras (os pobres são espontaneamente mais fraternos...), mas simplesmente porque é o certo a fazer.  

A injustiça não está no sistema econômico e político. Se estivesse bastaria mudá-lo e então atingiríamos uma sociedade harmoniosa, o que já foi tentado e não deu certo. A injustiça não é consequência da falta de fé, ou da inobservância de certos princípios impostos por uma doutrina moral particular (com frequência os que batem no peito bradando a sua religiosidade e moralidade estão entre os menos amorosos e compassivos).

A injustiça está em cada um de nós, profundamente arraigada em nossas entranhas, e se expressa e fortalece cada vez que nos sentimos incomodados por algo ou alguém que seja diferente do que julgamos ser. A raiz de todo o mal na humanidade reside em discriminar pessoas em razão de diferenças irrelevantes. Um mundo mais justo depende da premissa básica de respeitarmos as diferenças. Até porque, por baixo das diferenças externas, no plano essencial, somos todos iguais.

Autor

Wagner Ramos de Quadros
É presidente da ARCOS e articulista de O Regional.