João, Doris, Leny e Tony

Nos últimos dias, a música sofreu perdas irreparáveis. O primeiro baque foi com a perda do acreano João Donato, jovem de 88 anos com mais de 70 anos de carreira. Alternou sua carreira entre o Brasil e os Estados Unidos, para onde foi ainda na década de 1960. Fez mais sucesso e teve mais reconhecimento lá do que aqui. Fundiu o samba com ritmos caribenhos e o jazz. Desta mistura surgiu um estilo próprio ao piano, sincopado, que ele, sem saber e sem querer, influenciaria nas raízes da Bossa Nova. Pode-se dizer que foi um dos fundadores deste estilo.

Nesta semana, perdemos Doris Monteiro, aos 88 anos. Ela começou sua carreira bem antes da Bossa Nova estourar, em 1951, aos 16 anos e foi sucesso de público com a canção “Se você se importasse”. Doris tinha uma voz suave, sem a impostação e os vibratos tão característicos na época. Cantava sem “firulas”. Esta característica caiu muito bem para os sambas-canção mais românticos da fase anterior à Bossa. Seu canto ajudou a fundar a fase da moderna música brasileira, junto com as inovações rítmicas introduzidas por João Gilberto, João Donato, Tom Jobim e Johnny Alf. Seus maiores sucessos foram “Dó-ré-mi” (1958), “Samba de verão” (1964) e “Mudando de conversa (1969). Lançou músicas em 1970 que consolidariam o que se chama de sambalanço. Suas canções foram regravadas por cantoras da atualidade como Roberta Sá e Paula Lima. Sua carreira teve um declínio a partir dos anos 1980. Encerrou a carreira no ano passado, quando dividiu o palco com Claudete Soares, 85 anos, e Eliana Pittman, 77 anos, ambas ainda vivas. Recomendo que escutem “Vou deitar e rolar” (1970) na voz dela. Comparem com a gravação da Elis Regina. Verão a diferença.

No mesmo dia, morreu Leny Andrade, aos 80 anos, um dos grandes nomes do jazz brasileiro e bossa nova. Aos 15 anos, começou a se apresentar profissionalmente como crooner de orquestra. Seu primeiro LP, “A sensação”, foi lançado em 1961. A proximidade com a bossa nova ajudou na construção de sua fama internacional. Morou por cinco anos no México. Também fez sucesso nos Estados Unidos e Europa. Entre seus maiores sucessos, estão “Batida diferente” (1984) e “Estamos aí” (1964). Leny ganhou o Grammy Latino em 2007. Gravou álbuns com muita gente boa (Dick Farney, João Donato, Eumir Deodato e Francis Hime). Foi considerada pela crítica americana como um misto de Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald da bossa nova. Uma curiosidade a respeito dela era que era amiga de Tony Bennett, um dos maiores da música americana, que morreu aos 96 anos, há três dias.

Eu não ouvia algo dos quatro há um bom tempo. A quantidade de músicas e cantores para escutar é muito grande. Fiquei triste. Por outro lado, o céu está em festa. O nível lá, que já era bom, subiu um pouco mais.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.