Inveja é a Dois, Ciúmes é a Três

O que provoca a guerra

não é a inveja e nem o ciúme,

é a voracidade.

Ryad Simon

 

Num mundo cheio de competição, destemido para sentimentos destrutivos que não aparecem e que ao mesmo tempo sustentam relações que empoderam a frivolidade e permanência no que é raso, torna-se corriqueiro sentimentos latentes que são acionados por um conflito interno diante da presença do outro.

Convivemos com a inveja e o ciúme o tempo todo, estes que confirmam uma falta de percepção no sentido de projetar ao outro uma condição que temos em nós mesmos.

Melanie Klein foi uma importante psicanalista que estudou a vida emocional dos bebês constatando que a inveja está presente na organização e desenvolvimento psíquico desde os primeiros dias de vida, sendo dirigido ao seio materno, ora tomado como objeto bom (nutrição), ora pelo objeto mau (ausência), e que diante deste querer e não ter, a inveja surge e faz com que o bebê experimente uma angústia e agressividade em sua forma mais destrutiva, numa dualidade que faz com que se preserve a existência do objeto bom, dirigindo sua agressividade para o objeto mau.

Quando a integração não é possível, na vida adulta o indivíduo terá dificuldade em preservar o objeto bom dos ataques do objeto mau, atacando como manifestação de um sentimento de ódio diante do bem-estar ou prosperidade do outro, além de um desejo que algo de mal o aconteça exatamente porque ao se formar uma parcela de si próprio a partir da identificação com o outro, este estado o aliena a pensar no sentimento que o sucesso do outro está lhe provocando.

O invejoso sofre por aquilo que lhe falta e se alegra com o sofrimento alheio, normalmente de alguém próximo, manifestando perturbação diante do sucesso do outro por denunciar o quanto ele gostaria de estar neste lugar.

Quando nos deixamos levar pela inveja estamos num estado emocional primário, e o que existe de fato é uma tendência para a irracionalidade que pode levar à insanidade, que enquanto não olhados, ficam à mercê de atitudes comandadas pelos instintos, fazendo-nos inventar justificativas para falar sobre ou de alguém, invejando, tendo dificuldade de aplaudir o outro.

Já o ciúme faz parte de um sentimento gerado pela entrada de uma terceira pessoa que ao surgir aciona uma dificuldade interna de conviver com quem ele sente como ameaça.

A destrutividade do ciúme leva o indivíduo a irracionalidade, muitas vezes levados ao extremo, e quando atravessa a linha tênue torna-se um ciúme patológico, capaz de gerar morte, atrocidades, levando o ciumento a ter a falsa ilusão de que ao invadir a privacidade e vida do outro estará mais seguro, mas na verdade, o torna mais distante de tratar os acionamentos internos que provocam o mesmo a sentir ciúmes desmedidamente, e como sabemos, tudo que não tratamos, repetimos.

Na peça Édipo rei de Sófocles ocorre uma demonstração nítida da força destrutiva do ciúme onde o pai tenta se livrar do predestinado parricídio oracular, mandando matar o filho Édipo que por sua vez assassina o pai para ter o amor da mãe Jocasta só para si.

Estes dois sentimentos nos trazem uma importante reflexão que enquanto não trazidos à luz, atuam e nos mantem num funcionamento destrutivo diante do equívoco controle dos próprios acionamentos que não consideram a partilha do amor e a existência do outro.

Todos nascemos com a semente do ciúme e da inveja, e em ambos os casos, se não tratamos, a nossa voracidade será capaz de destruir qualquer outro que exista além do nosso próprio narcisismo, e neste caso, considerar o outro nos ajuda a rever os nossos próprios sentimentos e quem sabe transforma-los em algo menos destrutivo.

Música: All of Me com Willie Nelson.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br | Foto: Edgar Maluf @edgar.maluf ©