Intolerância religiosa, motivação desconhecida?

A questão religiosa, no mundo todo, e em todos os tempos, por sua própria natureza, suscita sentimentos humanos elevados, e, ao mesmo tempo, as mais negativas expressões da miséria humana, como o fanatismo ou a intolerância religiosa. Guerras terríveis se justificaram, e ainda se justificam, por conta do tema religioso, quando sabemos que, muitas vezes, as verdadeiras causas das desavenças entre os povos têm outra origem. 

No Brasil de hoje, nosso desafio é entender a razão das estatísticas oficiais mostrarem que cerca de 75% dos casos relatados de intolerância religiosa, nos últimos anos, são contra pessoas de religião de matriz africana. 

Há quem explique que, por conta do nosso racismo estrutural, religiões africanas continuam a ser demonizadas, sensivelmente mais que outras, transformando cultos, roupas e expressões idiomáticas em uma questão racial.  

Mas, se o fundo dessa discussão é racial, e já que somos, por vocação, um país mestiço, formado por índios, europeus, árabes, africanos e orientais, para superarmos qualquer manifestação grave de intolerância religiosa, só mesmo jogando muita luz, para confrontar o racismo com informação séria e pensamento crítico. 

Mostrando-se, normalmente, como um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a crenças e práticas religiosas, podemos perfeitamente tipificar a intolerância religiosa como crime de ódio, que fere a liberdade e a dignidade humanas. 

No mundo todo, com o crescimento do movimento “Vidas negras importam”, há mais coragem para denunciar, punir denúncias, prender criminosos e colocar a pauta da intolerância religiosa nas redes sociais e em veículos de comunicação, e, assim, fazer ecoar a voz da comunidade negra e das religiões de matriz africana.  

No Estado de São Paulo, pioneiro na criação de uma legislação específica, por exemplo, a intolerância religiosa é punível administrativamente, conforme a Lei Estadual 17.157, de 18 de setembro de 2019 (regulamentada pelo decreto Nº 65.086, de 23 de julho de 2020).  

Além disso, desde 2021, com base na Lei Estadual da Liberdade Religiosa (17.346/2021), o Governo de São Paulo também recebe denúncias de atos de discriminação e intolerância religiosa, via Ouvidoria da Secretaria da Justiça e Cidadania. Basta acessar: https://justica.sp.gov.br, ligar nos números (11) 3291-2621 / 3291-2624 ou ir pessoal no endereço Pátio do Colégio, 148 – centro/SP. 

Com números de denúncias crescentes, desde 2021, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Justiça e Cidadania, combate veemente a intolerância religiosa em todo o Estado de São Paulo. Entre janeiro e abril de 2022, já são 75 denúncias de intolerância religiosa. Em 2021, foram 210 queixas e 245, em 2020, sendo que muitas queixas neste ano se trataram de um mesmo fato. A punição prevista em lei vai de uma advertência até a multa administrativa, que pode chegar a 3.000 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (UFESPs), o equivalente a R$ 95.910,00, se o infrator for primário. 

Por aqui, também estão sendo desenvolvidas ações afirmativas de cidadania relativas ao tema, como a formação de mais de 1.500 lideranças de religiões de matrizes africanas para regularização dos templos, por meio de cursos EAD, e a construção de processos de mapeamento geográfico, para garantir maior segurança a todos. 

Avançamos, mas ainda há muito a caminhar, para alcançar o respeito e a convivência harmoniosa entre os cidadãos, seja qual for a sua crença. 
 
 

Fernando José da Costa  

Advogado criminalista, professor universitário, secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Presidente da Fundação Casa e Superintendente do Imesc.

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.