Incongruência: Desafio do Alinhamento Interior

A incongruência é um fenômeno psicológico que ocorre quando nossos pensamentos, sentimentos e ações não estão em harmonia. Imagine um cenário comum: você pensa de uma maneira, sente de outra e, por fim, age de uma forma que contradiz tudo o que está se passando internamente. Esse desalinhamento entre o que pensamos, sentimos e fazemos gera um desconforto interno, uma sensação de confusão e, por vezes, até sofrimento. Esse fenômeno é mais comum do que se imagina e está relacionado à falta de autoconhecimento e à resistência em nos confrontarmos com nossas próprias vulnerabilidades.

Essas incongruências muitas vezes surgem ainda na infância, quando buscamos atender às nossas necessidades emocionais básicas de sermos aceitos por nossos pais. Desde cedo, fazemos de tudo para corresponder às expectativas deles, introjetando seus valores e formando nosso autoconceito com base no que acreditamos que eles esperam de nós. No entanto, nem sempre esse autoconceito corresponde à realidade. Podemos julgar que somos de uma maneira e, por dentro, sermos outra pessoa completamente diferente. Esse descompasso pode ser uma fonte de conflitos internos ao longo da vida, especialmente quando nossas ações externas refletem mais as expectativas e valores dos outros do que quem realmente somos.

Para alcançarmos a congruência precisamos ultrapassar as barreiras internas que construímos para evitar enxergar nossas falhas, dores e fraquezas. Esses são os chamados mecanismos de defesa. Eles são estratégias inconscientes que usamos para nos proteger de experiências emocionais dolorosas ou ameaçadoras. A negação, a repressão e a racionalização são alguns exemplos desses mecanismos, que nos impedem de lidar diretamente com nossas questões internas. Esses mecanismos, embora sirvam como uma forma de autoproteção temporária, podem nos afastar da verdade sobre nós mesmos e prolongar a incongruência.

Nesse sentido, a doença pode funcionar como um empurrão para a verdade. Quando adoecemos, muitas vezes somos forçados a olhar para dentro e confrontar aquilo que evitamos por tanto tempo. A dor física ou o mal-estar psicológico nos obrigam a refletir sobre o que não está funcionando em nossas vidas e, finalmente, a reconhecer a necessidade de mudança.

O caminho para a congruência exige coragem e aceitação. Como Carl Rogers, renomado psicoterapeuta, sabiamente afirmou: "O paradoxo curioso é que quando eu me aceito, então eu mudo." É na aceitação de nós mesmos, com tudo o que somos, que o processo de mudança genuína começa. Quando abraçamos esse processo, estamos no caminho para uma vida mais equilibrada e significativa, e para relações mais genuínas e compassivas com o outro.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp