Imagine

Desde criança sempre fui seduzido pela ideia de que eu teria uma missão a cumprir, e acreditava que a minha existência individual poderia ou deveria ter um sentido maior. Esse tipo de pensamento, embora revelasse a ingenuidade típica das cogitações infantis, trazia também a marca do idealismo, o desejo de conquistar e promover o Bem e o Justo.

Foi assim que eu cresci embalado pelas leituras, estórias, histórias e divagações sobre o heroísmo e os heróis. E foi assim que personagens reais e ficcionais, como também alter egos pessoais preencheram, como companheiros das minhas digressões pessoais, os primeiros quinze, vinte anos desta minha vida: Leonardo da Vinci e Michelangelo, Hércules e Perseu, Mahatma Gandhi e Príncipe Sidartha, Conde de Monte Cristo e d’Artagnan, Sócrates e Carlos Castañeda foram alguns dos meus maiores companheiros e conselheiros.

O meu encontro com o mundo do Direito veio como consequência natural. Lembro-me de que o objeto mais antigo que trazia comigo como um amuleto era um pequeno abridor de cargas em forma de espada. A partir do meu inconsciente já se manifestava simbolicamente (na forma da espada e da balança) o destino da magistratura que me aguardava. Direito, Justiça e Heroísmo, com o tempo e as reflexões, tornaram-se conceitualmente uma coisa só: a intransigente busca do bem para todos.

Hoje já não acredito mais em heróis na sua acepção mais fantasiosa, de seres individualmente mais poderosos e melhores capazes de nos salvar. Não espero que alguém me salve ou liberte de meus problemas e sinceramente não desejo ser herói de ninguém. Mas acredito em atitudes heroicas, ou seja, na decisão que as pessoas podem tomar de se comprometer o com o bem alheio, não por bondade, mas por decisão consciente e natural (natural como respirar…). E acredito, mais que tudo, no heroísmo da sociedade, ou seja, no compromisso que podemos assumir coletivamente de respeitar e, portanto, cuidar da dignidade da vida. É assim, dedicando-nos a essa bandeira comum a todos, que vamos nos tornando seres humanos mais maduros e mais capazes de converter sonhos em realidades.

Quando imaginamos um mundo bem melhor para todos (como fez John Lenon ao escrever Imagine), não se trata do exercício de um idealismo infantil e ingênuo. Todo o bem que desejamos é perfeitamente possível e é fundamental que acreditemos que ele se concretizará. De nada adianta a queixa. Ao contrário, quem reclama está apenas desperdiçando precioso tempo, está deixando de fazer para lamentar. Mas também não basta acreditar passivamente, até porque a verdadeira fé é ativa e incansável.

Muito embora possamos ser poderosos individualmente, nada se compara à força resultante da nossa união em torno de causas nobres. A fraternidade (literalmente: irmandade ou união entre irmãos) nos torna capazes de feitos que num primeiro momento pareceriam impossíveis.

Hoje, próximo de me tornar um sexagenário, prossigo acreditando em uma missão a cumprir, mas já sei que não se trata de nada individual. Aos meus heróis da infância e adolescência eu juntei outros, como Padre Albino, Tia Diva, Celso Charuri, Trigueirinho, Dona Eliete (Cidadão do Futuro), Paulo Ferro (Filhos da Lua) e tantos outros que servem de modelos e inspirações para que as nossas condutas tornem-se e mantenham-se heroicas.

Autor

Wagner Ramos de Quadros
É presidente da ARCOS e articulista de O Regional.