Há vida (conjugal) além do cotidiano

“Se, no primeiro ano de casamento, um casal pusesse uma moeda num pote cada vez que fizesse amor e, a partir do segundo ano, passasse a retirá-las, uma a uma, cada vez que tivesse uma relação sexual, o pote jamais se esvaziaria.”

Apesar da linguagem jocosa, essa anedota tem um conteúdo melancólico: insinua que a paixão não resiste ao desgaste cotidiano, sugere que, com o passar do tempo, uma história de amor perde o brilho. Fala de tédio e afastamento, de desencanto e ilusões perdidas.

Será que tem de ser assim? Aquela sensação de vento no rosto, que marca o tempo da paixão, será incompatível com a vida conjugal? O que acontece num casamento para que os encontros do casal tornem-se cada vez mais raros?

As histórias de conto de fadas não são mentirosas. Elas ressaltam as armadilhas e perigos que marcam o caminho dos apaixonados, e é verdade que também na vida real o encontro amoroso só acontece depois que os amantes vencem os inimigos a serviço do desamor – o medo da entrega, o egoísmo, a insegurança.

Mas os contos de fadas terminam quando a vida começa: não ensinam a mágica que faz com que os heróis sejam “felizes para sempre”. Então, embalados pelas histórias que marcaram nossa infância acreditamos que o casamento é uma garantia de eterna completude e que o encontro amoroso trará segurança de um afeto incondicional e a excitação do mistério, sem perder jamais o brilho do efêmero.

Assim, o príncipe e a princesa, antes dispostos a enfrentar todos os obstáculos para cair nos braços um do outro, agora caem na armadilha de acreditar que, a partir daí, tudo está resolvido. De agora em diante, instalados em seu reino, esperam descansar para sempre sobre os louros da vitória, esperando que o vínculo que os une tenha força suficiente para livrá-los de todos os sortilégios do mal.

Mas a batalha do amor se faz a cada dia. Os perigos se renovam, mudam de aspecto, mas continuam poderosos. É preciso estar alerta, para não se deixar seduzir pelos aliados da morte; é necessário ser forte e valente, para não ser tragado pelas areias movediças da mesmice. Sobretudo, é preciso ser sábio para reconhecer esses inimigos – que se escondem atrás de máscaras inocentes, como as contínuas concessões ao tédio, os pequenos descuidos para com o outro.

Pois a antiga anedota não revela que naquele baú há moedas e moedas: há níqueis de vintém e pacotões de ouro. Os pacotões de ouro só vão aparecer mais tarde – desde que os parceiros dediquem à manutenção do vínculo amoroso a mesma energia e cuidado que investiram na fase da conquista.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp