Grey Gardens

Mãe e filha, Edith Bouvier Beale e Edith ‘Little Edie’ Beale, abrem as portas de sua mansão decadente e suja em East Hampton, próximo de Nova York, para os irmãos documentaristas Albert e David Maysles registrarem o cotidiano das duas. Elas cantam, recitam poemas, lembram do passado da era de ouro de Hollywood e vivem intensos conflitos a ponto de discutirem na frente das câmeras. Big Edie e Litlle Edie eram, respectivamente, tia e prima da ex-primeira-dama Jaqueline Kennedy, e estavam prestes a ser despejadas do velho casarão.

Uma obra-prima do documentário contemporâneo, que explora a conflitante relação de mãe e filha, presas às memórias do passado. Um vínculo de amor e ódio frente às câmeras. Edith Bouvier Beale e Edith ‘Little Edie’ Beale eram primas de Jackie Kennedy, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos, e ficaram famosas dois anos antes, em 1973, por ilustrar manchetes de jornais americanos sobre as dificuldades financeiras pelas quais passaram em Grey Gardens. Esse escândalo estourou na mídia, quando autoridades policiais e a vigilância sanitária interditaram a mansão Grey Gardens onde lá viviam na pobreza as duas ‘Edies’. No casarão decadente à beira-mar num balneário de luxo, East Hampton, a 160 quilômetros de Nova York, moravam no meio de ratos, gatos e guaxinins, em precárias condições de higiene. Janelas quebradas, portas tomadas por mofo, paredes quebradas e com infiltração. A ponto de serem despejadas, tiveram auxílio de Jackie Kennedy por um curto período, que mandou equipes de limpeza organizarem a casa, no entanto o local voltou a ser como era meses depois. Dois anos mais tarde, elas abriram as portas de lá para mostrar seus dias aos documentaristas, os irmãos Albert e David Maysles. Entre lixo e memórias do passado glamouroso, elas relatam como era a vida trinta anos atrás, cantam, recitam poemas e brigam muito. Tudo é captado, sem interferência dos diretores – o filme foi um marco do ‘cinema direto’, aquele em que os documentaristas usam câmera móvel e o som direto, captam tudo o que acontece sem manipular a cena, sendo que a realidade aparece em estado puro, mostrando o mundo real, como ele é. Big Edie está sempre deitada na cama, doente, com quase 80 anos, e a filha divorciada, Little Edie, anda eufórica de lá para cá, lembrando das histórias de suas vidas, sempre com ar melancólico e desalentado.

É um documentário emblemático, muito conhecido. Os irmãos Maysles fizeram diversos doc juntos e pelo menos dois outros entraram para a história do documentário – ‘Caixeiro-viajante’ (1969), sobre vendedores de Bíblia que batem de porta em porta e reflete a América profunda, um marco do ‘cinema direto’ e do ‘filme etnográfico’, e ‘Gimme shelter’ (1970), sobre a turnê dos Rolling Stones em que se discute o fim da geração ‘paz e amor’ da Woodstock.

‘Grey Gardens’ saiu em duas versões em DVD – em 2016 pela Obras-primas do Cinema, com quase uma hora de extras, e em 2020 pelo IMS numa edição de disco duplo, contendo a segunda parte do documentário, ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006), em que os diretores, os irmãos Maysles, fazem um novo filme com cenas não usadas do filme de 1975 – com momentos inéditos daquela gravação, que ficaram guardadas.

Grey Gardens (Idem). EUA, 1975, 94 minutos. Documentário. Colorido. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD de 2016) e IMS (DVD de 2020)

Autor

Felipe Brida
Jornalista e Crítico de Cinema. Professor de Comunicação e Artes no Imes, Fatec e Senac Catanduva