Grafiteiro: grafia de artista arteiro

Ninguém gosta de feiura. Por mais que se diga que o belo já não é absoluto e que, agora, cada qual tem seu gosto estético, a relativização pós-moderna da beleza não tirou de quem quer que seja uma hierarquia objetiva daquilo que, para a pessoa (subjetivamente), é ou não é belo. Ainda há critério para o uso das palavras, embora os conceitos mais rígidos estejam desgastados. Afinal, todos chamamos certas coisas, negativa e positivamente, de belas ou de feias, mesmo que o belo de um seja o feio do outro e vice-versa. As palavras continuam a valer como definição para a forma, embora o conteúdo esteja pluralizado a tal ponto de que aquele célebre provérbio caipira domine as almas: “Quem ama o feio, bonito lhe parece.”

E porque ninguém gosta de feiura, é natural que expressões mais contestatórias da Arte evoluam de uma natural marginalidade de origem, ligada à causa que se quer defender ou repugnar, para versões mais amenas e tendo finalidades em si mesmas. Ou seja, a estética que quer apenas e tão somente afrontar, a princípio, depois que se estabelece coletivamente acaba se refinando, se “elegantizando” e, com isso, buscando ser “ars gratia artis” / arte pela arte. O que nasce como ruptura geralmente se acultura: rompe para, depois, se reunir sob novos matizes, sob novos olhares, mas na mesma paleta e na mesma visão que origina toda e qualquer obra: a beleza. Nietzsche tinha e tem razão: “A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida.” Mesmo que no início de um movimento seus esquadros, cinzéis, pincéis, partituras, penas, passos e câmeras louvem, por exemplo, a morte através do feio estético, com o tempo sua reprodução sempre tenderá a se estilizar e unificar e, para permanecer para além do tempo que lhe pariu, tenderá a absorver moldes mais clássicos; então, surgirá o belo, o belo a serviço da vida.

Arquitetar, esculpir, pintar, compor, escrever, bailar e gravar podem começar impulsionados por uma vanguarda difusa e mais ou menos confusa na estética na mesma proporção que certeira nas pautas que a emulam, mas dificilmente, com o passar das décadas, não evoluirá até alcançar o platô das obras que querem ser primas.... A contra-cultura um dia se torna cultura.

Este fenômeno acontece com o Grafitismo. De contravenção criminal a arte bem-paga e exposta em mostras de arte nos cinco continentes, de Paris à Pequim. Começou como rebelião social, está “terminando” (porque está se auto-transcendendo) como arte urbana. Começou junto ou mesmo derivado da pichação, está ganhando láureas e medalhas de ouro em salões de

Belas Artes de tradicionais e centenárias instituições acadêmicas. O vocabulário desconexo com alfabeto próprio e cores monocromáticas cedeu lugar a desenhos elaborados e caligrafias tão apuradas quanto coloridas. Imagens proto-simbólicas se tornaram discursos visuais intensos calcados em arquétipos universais. Personalidades que instrumentalizavam linhas, tintas e rabiscos em prol da ideologia pragmática da rotina que viviam individualmente, ganharam a densidade própria dos seres humanos interessados em dialogar não apenas com seu “gueto”, mas com o planeta inteiro, tocando o cósmico e o eterno.

O arteiro agora é artista.

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor