Gente fina

“Meu epitáfio será: nunca foi um bom exemplo, mas era gente fina.”

Rita Lee

Cantora, compositora, multi-instrumentista, apresentadora, escritora e ativista brasileira. (1947-2023)

 

Há exatos seis meses da morte de Gal Costa, a irreverente e inesquecível Rita Lee nos deixa aos 75 anos de idade, após lutar contra um câncer de pulmão desde 2021, quando foi diagnosticada. Nos despedimos de uma das mais importantes compositoras e cantoras da história da música brasileira.

Sempre nasce um sentimento de vazio quando qualquer ícone morre demonstrando a finitude da existência humana, pois de certa forma acreditamos que alguns são imortais. Difícil imaginar que um dia não teremos mais o convívio – ainda que à distância – com aqueles que admiramos, que se tornaram tão influentes para nossas vidas, verdadeiras referências e inspirações em determinado momento de nossa busca. Mesmo que por um período curto, suas influências podem ser eternas.

No entanto, mais curioso é o quanto a notícia causou, como sempre acontece com celebridades, uma discussão moralista sobre o passado de Rita Lee, seus pensamentos, comportamentos, posicionamentos políticos e ativismo, caindo logicamente no campo do talento artístico, enfim, uma gama de situações que incomodam, aguçam e provocam.

Se de um lado, fãs e admiradores idolatram a “Santa Rita de todas as ovelhas negras”, de outro, uma série de ataques gratuitos e desnecessários tentam diminuir a importância da artista ao longo dos tempos através de comentários raivosos e preconceituosos no aspecto da sua vida pessoal, suas escolhas e modus vivendi¹.

Os juízes da moralidade levantam-se de seus sepulcros caiados para julgar, condenar e lançar à fogueira uma artista, tanto quanto tantas outras celebridades, porque teoricamente não se enquadram na formatação dos bons costumes de uma sociedade que já deveria ter mudado o foco da vida, saindo da bolha em que vive, há muito tempo.

Não estamos, nenhum não de nós, na posição moral de julgar e condenar. Isso não nos cabe. Não gosta? O problema é meramente pessoal.

Os nossos dias têm revelado uma precariedade cultural, humana e social em que vivemos e nos perdemos. Estamos inseridos num contexto muito maior e complexo do que, simplesmente, julgar, apontar dedos e bradar contra quem quer que seja.

Rita Lee é única. Você não reconhece isso? Pena. Pena mesmo! Foi santa? Quem é? Conhece alguém? Como a própria artista disse sobre seu epitáfio: “... nunca foi um bom exemplo, mas era gente fina”. Não é o que verdadeiramente importa?

O mais triste é que muitos desses que a condenam agora, são os mesmos que ouviram, curtiram, se divertiram, assistiram seus shows e compraram seus discos. Estranho, não é? Somos “defensores da moral”, criticando a uma artista original e tão importante para a cultura brasileira, enquanto não nos movemos para acabar com a pobreza, a fome, a precariedade da educação e da saúde em nosso país.

Rita Lee é grande, inteligente, irreverente, talentosa, original, versátil, um ser humano com altos e baixos. Quem não?

Afinal, ela mesmo, na música “Elvira Pagã", cantava: “Santa, santa, só a minha mãe (e olhe lá!)”

Que ela faça muito rock and roll onde estiver. Vai fazer falta porque, além de excelente artista, era gente fina.

¹Modus vivendi – modo de viver, de conviver, de sobreviver.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.