Genivaldo Santos, policiais: como pode ser?

Não é uma profissão fácil. A grandeza do exercício da autoridade policial pede a grandeza do\a agente policial. Não creio em Sociedade sem polícia. Não acho sensato, todavia, por um\a agente policial armado em ação sem preparo antecedente: o saber policiar-se a si próprio\a.  

Há muitos argumentos, argumentos de toda ordem, sobre o exercício da profissão policial. Os que justificam a brutalidade dizem que para lidar com o “populacho” tem que chegar “na porrada”; os que acreditam em um mundo beatífico sugerem extinguir a Polícia Militar.  

Não dominando o assunto, não formo conclusão. E adianto respeito à profissão e ao\as profissionais. Também reconheço razão aos que protestam pela falta de protesto quando morre um policial (recentemente dois foram assassinados). Isso advém da má relação cidadã com a povo.  

Tenho amigos na polícia. Já denunciei policiais. Mais não sei. É sabido, todavia, a Polícia Militar tem origem nos bandos ajuntados por coronéis da República Velha. Grandes fazendeiros, patenteados coronel, eram autorizados a armar e comandar bandos mantidos a seu soldo.  

Esses coronéis dos grotões brasileiros eram potentados locais, donos do dinheiro, da política, da polícia e dos “costumes”. Ser “gente de” um coronel era estar alinhado a um sistema de poder. O sistema de poder nas entranhas da nossa História é uma narrativa de violência.  

Getúlio Vargas, que foi um revolucionário quando derrubou a República Velha e um democrata quando eleito, no interregno foi um ditador. Um ditador implacável, que, sim, defendia-se de inimigos do mesmo quilate, mas, importa dizer, autorizou e se utilizou da violência policial.  

Aí, a Ditadura de 64: golpe militar-civil-eclesiástico arranjado com magnitude internacional. O fundamento ideológico era a Teoria da Segurança Nacional, mote para intervenção estadunidense na América Latina. Forças Armadas, empresários, igreja católica: golpe, ditadura. 

Uma ditadura policial. As Forças Armadas mandavam, mas a operação ostensiva era policial. No Largo São Francisco, creio que em 1976, eu estava lá. Espetáculo medonho. Quem defende, argumenta: comunistas. Não sabem o que dizem. Há documentos. Éramos democratas. Só. 

A Ditadura de 64 atualizou, catalisou e “modernizou” a nossa truculência policial. Todas as polícias estavam sob as ordens gerais das Forças Armadas e receberam um inimigo número um para perseguir: a “desordem social”. Nada fugia ao controle minudente do sistema ditatorial. 

Nossa tradição violenta não arrefeceu com a redemocratização. As Forças Armadas ainda discursam ditadura e nossas polícias ainda desconfiam do social. Claro, há exceções, muitas exceções, mas não exceções suficientes. No geral, a polícia age no grito, não atua na moral.  

Suponho que isso não seja uma diretriz institucional. Mas uma instituição não opera senão por seus agentes: agentes brasileiro\as. O\as brasileiro\as, em grande parte, somos violentos. Como agiriam nossos haters de redes sociais dando ordens ao “inimigo”, com uma arma na mão?  

O concurso para ingressar na Polícia Rodoviária Federal é difícil, pede preparo do\a candidato\a. Provas de conhecimento. Bem, de algum modo, jovens policiais bem estudado\as acabam matando ferozmente a facadas no Rio de Janeiro ou cruelmente por asfixia em Umbaúba.

A História do Brasil, com muitas ditaduras, nacionais e locais, instalou-se em nosso imaginário público e opera particularmente em nós. Eu diria que muito\as se sentem autorizado\as ao mandonismo dos velhos coronéis. O exercício da autoridade policial não é respeitado; causa medo.  

A autorização para o pé na porta do barraco autoriza, em geral sem punição, a matar pobre a facadas. O policiais de Sergipe tinham-se por tão autorizados para matar que o fizeram, sendo filmados, diante de ampla plateia. O Brasil inteiro sabe. E agora? Que fazer com isso?  

A coisa, lamento, cabe no Brasil. Simular arma com as mãos deu votos; não sei se ainda dá. Qual o limite? Os fundos de uma viatura feitos Auschwitz: câmara de gás, asfixia, morte. Em um país declarado democrático, assassinos com requintes nazistas expostos nas redes sociais.  

 

Léo Rosa de Andrade 

Doutor em Direito pela UFSC, psicanalista e jornalista. 

 

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