Fronteira Móvel
Para a psicanálise, a somatização é um fenômeno que se caracteriza pela manifestação de sintomas físicos a partir de uma condição que pode ser originada ou agravada por processos emocionais, representando a ligação entre a saúde emocional e física, sendo uma questão que atinge mais pessoas do que podemos imaginar.
Trata-se de um corpo que sinaliza um sofrimento que excedeu a capacidade de tolerar e que alerta para um olhar que necessita pensar o sofrimento.
Sentimentos como raiva, medo, ressentimento, culpa, estresse, ansiedade, etc., se manifestam corpóreamente tentando nos comunicar algo de uma mente, que ao lidar com algo insuportável, expulsa para o corpo sua dor.
Joyce McDougall foi uma psicanalista que dizia que o sintoma corpóreo é uma construção singular e dramática que tem por objetivo permitir a sobrevivência psíquica do indivíduo que busca cura para si.
O trabalho de elaboração psíquica e intelectual envolve a reconstrução de um drama que tem como palco o corpo, vezes biológico, vezes representado por meio de palavras numa reconstrução que depende da capacidade de aceitar a existência de um inconsciente que não tolera frustrações e que são inerentes ao processo de desenvolvimento, e consideram os sintomas como criações que tentam a autocura e que estão relacionadas às sucessivas mudanças e falhas no processo de individuação que formatam a subjetividade do indivíduo.
Pessoas que somatizam no corpo apresentam fragilidade no ego e falha no processo de simbolização com tendência à atuação, um modo de defesa arcaica anterior à linguagem como resultado das falhas no processo de internalização que constroem a identidade subjetiva que seria semelhante a preencher o vazio aberto pela tensão, que entre o desejo de fusão e de individuação, persistem numa incapacidade de refletir as emoções assim como falha no processo de pensar somatizando no corpo sua dor.
Parece estar associada à economia de afeto onde o indivíduo permanece num agir arcaico que expulsa do psiquismo a dor, jogando para o corpo as percepções ou pensamentos que suscitam afetos insuportáveis associados às vivências traumáticas e precoces presentes no desenvolvimento infantil e sucessivamente ao longo da vida.
Se consideramos a vida mental também do ponto de vista biológico, o instinto parece ser um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, e como o representante psíquico dos estímulos nascem dentro do organismo, alcançam a mente como uma medida de exigência feita no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.
Mais do que descobrir sua origem e ao que está ligado, é necessário tratar para que o indivíduo consiga retomar o caminho do pensamento e elaboração do sofrimento que excedeu na mente e que jogou no corpo a sua dor, fazendo-o encontrar um destino que não o faça adoecer.
Música “Afogamento”, Gilberto Gil e Roberta Sá.
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