Festival do Rio: bons filmes para acompanhar

A 27ª edição do Festival do Rio terminou no último dia 12, porém haverá, como de praxe, a repescagem – entre os dias 13 e 16/10. Neste ano foram exibidos mais de 300 filmes de 85 países, muitos deles em première. Vitrine do cinema brasileiro e um dos festivais mais importantes do país, o Festival do Rio, criado em 1999, é apresentado pelo Ministério da Cultura, Shell e Prefeitura do Rio. Confira abaixo alguns títulos que conferi no festival e recomendo. 

Rua do Pescador, nº 6

Segundo longa, e também em formato de documentário, da atriz e cineasta Barbara Paz, que faz aqui uma reflexão sobre as tragédias das enchentes no Rio Grande do Sul em 2024. Exibido no Festival ‘É Tudo Verdade’, o filme tem dois tempos – durante as enchentes, com cenas impactantes da destruição de casas, de animais e pessoas sendo resgatados, e pós-catástrofe, quando moradores da Ilha da Pintada tentam se reerguer semanas depois das inundações. A câmera de Barbara percorre os quatro cantos da Ilha da Pintada (por isso é um road movie) e vai direto ao ponto: capta detalhes da inundação, trazendo cenas precisas daquele pesadelo que afetou quase 500 municípios e atingiu mais de 2,3 milhões de pessoas. Quem fala no documentário são os moradores, em especial pescadores de uma vila daquela ilha. Assim como no longa anterior, em que presta uma homenagem ao exímio diretor e ex-marido, ‘Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer parou’ (2019), tudo é rodado num sublime preto-e-branco. Assistam até o último segundo dos créditos, pois o filme continua. Distribuição da Lança Filmes, entra em breve nos cinemas brasileiros.

Se eu tivesse pernas, eu te chutaria

Aguardadíssimo filme no Festival do Rio, o drama com humor negro e mistério é um show de interpretação da atriz Rose Byrne, que pelo papel ganhou o prêmio de atriz no Festival de Berlim – e deve ser, até que enfim, indicada ao Oscar. Outro filme em que o humor está ali, instalado, dentro de uma história altamente dramática, de uma personagem que se depara com uma sucessão de problemas e quase enlouquece - quando rimos, é de um riso nervoso.  Rose Byrne interpreta uma terapeuta que vê sua vida desmoronar em poucos dias. Ela cuida sozinha da filha pequena (nunca aparece o rosto da garotinha, apenas voz e mãos) que está doente e utiliza uma sonda gástrica para se alimentar. O marido está em viagem e também nunca aparece. A casa onde mora inunda, então ela se muda para um motel onde inicia um conflito com a recepcionista do lugar. Uma paciente em crise a deixa aflita, seu psicólogo tem comportamento agressivo, um acidente de carro a deixa confusa e por aí segue uma lista enorme de problemas diários, que tiram o sono da terapeuta. O filme, como muitos da A24, traz algo sobrenatural simbólico na história – aqui é uma fenda no teto que inunda o quarto da personagem. Olhando por um prisma mais central, é um drama pesadíssimo, sobre as complexidades de uma mulher que tem de lidar sozinha com tudo ao mesmo tempo. Uma história que nos angustia, com um trabalho impecável e certamente memorável de Rose.

The mastermind

Drama com elementos de suspense que acompanha a ascensão no mundo do crime de um ladrão de quadros na Nova Inglaterra dos anos 70. Josh O’Connor vem brilhando em filmes como ‘Rivais’ e ‘La Chimera’, e aqui bem interpreta o protagonista, um ágil criminoso amador que tem bom gosto e sabe como ninguém surrupiar objetos de arte em museus. Ele é o ‘cabeça’, o ‘mastermind’ de um pequeno grupo de assaltantes – na verdade três, sendo ele e dois atrapalhados comparsas. Ele tem uma família e até utiliza um dos filhos para ajudar nos atos infracionais. Não fica claro o período que transcorre a trama, porém reconhecemos os anos 70 pelo contexto da Guerra do Vietnã e do movimento hippie que aparece nos diálogos e em sinais dos figurantes; aliás, boa composição de direção de arte e figurinos. A fotografia de época com paletas de cores suaves é uma excelência artística da cineasta autoral e que vem do cinema independente Kelly Reichardt, a mesma de ‘Movimentos noturnos’ (2013) e ‘First cow’ (2019). Josh está muito bem, num de seus melhores trabalhos no cinema, ao lado de um elenco afinado, mesmo em participações especiais, como Alana Haim (como a esposa), Hope Davis e Bill Camp (que interpretam os pais dele). Observo muito o design dos créditos, e o de abertura, aqui, todo verticalizado, é o máximo. Lançamento da Mubi em parceria com a Imagem Filmes, estreará nos cinemas em 16/10 e mais pra frente na plataforma da Mubi.

Madre

Saí de queixo caído da sessão esvaziada de ‘Madre’ ontem à noite no Estação Net Rio, pra mim um dos melhores filmes do Festival do Rio deste ano. Que atuação grandiosa de Noomi Rapace, atriz sueca que ainda não recebeu o devido reconhecimento pela carreira. Exibido na seção Horizons do Festival de Veneza deste ano, o drama se inspira na vida de Madre Teresa antes de se tornar ‘de Calcutá’. São sete dias decisivos na vida da religiosa, trancada numa comunidade que fundou, de ajuda aos pobres na Índia, enquanto aguarda a liberação do Papa para froamlizar sua congregação de irmãs missionárias. Serão sete dias onde conheceremos Teresa e suas complexidades – o trabalho árduo nas ruas levando comida aos esfomeados, curando feridas dos andarilhos e um conflito com uma noviça em que questionará a fé e a moral da igreja. Nascida na Macedônia do Norte e de família albanesa, Madre Teresa tornou-se símbolo da Igreja Católica e da justiça social. Rapace entrega um trabalho perfeito com os altos e baixos da madre, com humanidade e sensatez. Não é uma cinebiografia tradicional, os lances originais estão na estética criada pela diretora, natural da terra de Madre Teresa, a macedônia Teona Strugar Mitevska, de ‘Deus é mulher e seu nome é Petúnia’ – ela escreve e dirige com uma linguagem peculiar, captando ângulos imperfeitos, por baixo e por cima, colocando a atriz fora do quadro, cortando o rosto dela, algumas cenas em stop-motion com trilha de rock e por aí vai. Um filmão que merece exibição nos cinemas.

Autor

Felipe Brida
Jornalista e Crítico de Cinema. Professor de Comunicação e Artes no Imes, Fatec e Senac Catanduva