Eu rondo a cidade

Em 2024, Paulo Vanzolini completou 100 anos de nascimento. Foi autor de “Ronda”, (1945). Ele servia ao exército e patrulhava a zona do meretrício da capital. Dizia ser comum ver uma determinada cena: mulheres chegarem à porta de um bar, olhar para dentro à procura de alguém e depois irem embora. Este samba foi lançado por acaso. Vanzolini e a esposa acompanhavam uma amiga, a cantora Inezita Barroso, até a gravadora RCA Vitor, para gravar “Marvada pinga” (1937). Feita a gravação, o produtor perguntou “e o lado B”? Naquela época, era comum os cantores lançarem um pequeno disco de vinil em 78 rotações, com uma música em cada lado. E sem a permissão do autor, não podia gravar. O único autor presente na gravadora era Paulo Vanzolini e a única música que ele tinha ali, pronta, era “Ronda”. Muito a contragosto, Inezita gravou a música, que ficou ofuscada pelo sucesso do modão.

“Ronda” só encontrou gigantes em sua trajetória. Na gravação original de Inezita, tinham dois músicos excepcionais: o clarinetista Abel Ferreira e o violonista e multi-instrumentista Garoto, que influenciou a formação musical de Carlos Lyra, João Gilberto, Raphael Rabello e Baden Powell. A grande cantora Cláudia Moreno a regravou em 1967. Mas o “estouro” veio com a gravação de outra grande cantora, Márcia (viúva do locutor esportivo Sílvio Luiz) em 1977. Foi regravada, dentre outros, por Cauby Peixoto, Ângela Maria, Maria Bethânia, Emilio Santiago e Jair Rodrigues.

Vanzolini não sabia ler notas musicais, mas era um exímio compositor, conciso, daqueles que faziam as palavras render o máximo. Caetano Veloso homenageou-o em “Sampa” (1978). O final “... e os novos baianos te podem curtir numa boa.” Tem a mesma melodia de “Ronda”: “... cena de sangue num bar da avenida São João”. O curioso é que Vanzolini não gostava muito de “Ronda”. Dizia que sua primeira música era fruto de um romantismo estudantil, piegas e imaturo. Preferia seu outro grande sucesso, “Volta por cima” (1960), gravado pelo sambista Noite Ilustrada. Ele se orgulhava por ter uma frase da música incorporada ao dicionário do Aurélio: “dar a volta por cima”, sequência de outra frase famosa: “... levanta, sacode a poeira...”.

Era médico, mas não exerceu a profissão. Era zoólogo, estudava répteis e anfíbios. Foi diretor do Museu de Zoologia da USP por 30 anos e aumentou o acervo de 1200 para 220 mil espécimes. Era renomado internacionalmente nesta área e tem 15 espécies animais batizadas com seu nome.

Vanzolini era uma pessoa generosa, apaixonado pela cidade. Compartilhava o seu saber. Se entrelaçava com sua gente. Suas músicas fizeram a diferença para o samba paulista e para a MPB. Ao lado do seu grande amigo Adoniran Barbosa, foi um dos principais cronistas do cotidiano do paulistano. Um “viva” à sua memória! 

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.