Estreias nos Cinemas - 24.09.25

Os malditos

Ganhador do prêmio de melhor direção na seção ‘Um Certo Olhar’ do Festival de Cannes, ‘Os malditos’ chega aos cinemas brasileiros, com distribuição da Zeta Filmes. É o sexto longa-metragem do cineasta italiano Roberto Minervini, conhecido por obras que traçam os dias de cidadãos comuns, fortemente influenciado por um olhar documental. Seu novo trabalho se passa no inverno gelado do interior dos Estados Unidos, em 1862, auge da Guerra Civil Americana. Um grupo de jovens idealistas se voluntaria no exército americano e ruma para o oeste com a missão de patrulhar lugares inóspitos, aparentemente sem interferência humana. No percurso, o grupo é forçado a mudar de rota. Nesse filme com poucos diálogos e atores e uma grande fotografia de uma natureza intocada, que também é ameaçadora, o enfoque é na solidão humana, na relação do homem com esse ambiente silencioso, que da secura do chão é tomado pela neve – as mudanças nas estações do ano refletem o estado de espírito dos personagens, soldados que vão mudando de temperamento ao passo que crescem as situações desafiadores, principalmente crises entre eles. A câmera do diretor tem um movimento peculiar, que acompanha as costas dos personagens e as laterais, com planos abertos mostrando os soldados abandonados ao relento. Além de Cannes, foi exibido nos festivais de Toronto e de Nova York.

Sr. Blake ao seu dispor

Indicado a dois Oscars e prestes a completar 72 anos, o ator americano John Malkovich costuma aparecer em filmes europeus independentes, desde dramas a comédias, como é o caso deste charmoso e agradável filme com uma história humana, ‘Sr. Blake ao seu dispor’ – o filme é de 2023, na época ele estava com 70 anos, e só agora chega em cartaz nos principais cinemas brasileiros, pela distribuidora Mares Filmes. Malkovich, de clássicos como ‘Ligações perigosas’ (1988), interpreta nesta comédia romântica francesa o papel-título, Andrew Blake, um viúvo que anda desanimado após a morte da esposa. Ele quer voltar para a França, onde conheceu a falecida, e assim se reencontrar com as lembranças daquela feliz união. Acaba como mordomo em uma mansão em que tudo começou. Lá se torna próximo da milionária e dona do lugar Madame Beauvillier (papel incrível da veterana Fanny Ardant, atriz francesa de ‘8 mulheres’). Entre um serviço e outro, seu astral muda, e ele tem de volta o prazer de estar entre as pessoas – ainda mais ao lado de figuras fortes daquele casarão, como uma cozinheira, um caseiro e uma jovem empregada. É um filme ‘up’, de histórias de vidas arruinadas que recomeçam e se reconectam – não só Sr. Blake como todos os outros personagens daquela casa enfrentam duros problemas, e um se apoia ao outro para enfrentá-los com sensatez. É inspirado no best-seller homônimo de 2012 de Gilles Legardinier, que, vejam só, é o diretor do filme. Uma fita bonita, espirituosa, para todos os públicos.

Segredos do Putumayo

Revi recentemente esse documentário brasileiro desafiador, que trata de um tema que vira e mexe nos mobiliza, a questão dos indígenas da Amazônia. Rodado em 2020, o filme é uma longa narração dos diários do cônsul britânico Roger Casement (1864-1916), que no fim da vida esteve em atividade diplomática no Rio de Janeiro. Nesse período ficou incumbido de investigar os crimes cometidos pela Peruvian Amazon Company contra os indígenas da região do Putumayo, no Peru. A corporação, durante 50 anos, escravizou indígenas para a extração da borracha, matando mais de 30 mil pessoas e destruindo aquelas terras originárias – o caso foi registrado como genocídio e acobertado pelas autoridades locais por muito tempo. Com registro de fotos e documentos da época e cenas aéreas da bacia peruana do Putumayo, o chocante filme traça a descoberta aterradora de Casement: um sistema cruel de extrativismo que assassinou e escravizou milhares de indígenas na selva. Seu trabalho de pesquisa e denúncia durou 120 dias, entre 1910 e 1911, quando escreveu os tais manuscritos, intitulados ‘Diários da Amazônia’, que se tornaram célebres pelo teor dramático das observações dele na região. Casement foi uma voz pioneira dos direitos humanos indígenas, e antes de Putumayo já havia denunciado as atrocidades no Congo, cometidas pelo rei Leopoldo II, da Bélgica. Visualmente impactante pelas imagens potentes dos indígenas na tela, o filme foi exibido no Festival ‘É Tudo Verdade’. Quem assina é o diretor Aurélio Michiles, que décadas atrás já havia explorado a Amazônia no cinema, em seu maior trabalho, ‘O cineasta da selva’ (1997), filme que acompanha o fotógrafo que se tornou cineasta engajado e deu voz aos indígenas, Silvino Santos. ‘Segredos do Putumayo’ está disponível gratuitamente na plataforma Sesc Digital, em https://sesc.digital

Autor

Felipe Brida
Jornalista e Crítico de Cinema. Professor de Comunicação e Artes no Imes, Fatec e Senac Catanduva