Estreias especiais - nos cinemas e no streaming

Yõg Ãtak: Meu pai, kaiowá

Documentário brasileiro com um enfoque inédito, de como a ditadura militar separou famílias indígenas. Todo narrado pelas vítimas, conhecemos aqui uma história de vida específica, a da diretora do filme, a indígena Sueli Maxakali, e sua irmã Maisa, que estão na busca do pai, Luiz, da comunidade Kaiowá. Luiz, um guarani-kaiowá, morador de uma comunidade no sul do Mato Grosso do Sul, foi capturado na década de 60 por agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e conduzido para diversos lugares, como São Paulo e Rio de Janeiro, até ser entregue a um posto indígena em Minas Gerais, onde viveu por 15 anos em outra comunidade indígena, os Maxakali. Lá casou-se e teve as filhas Sueli e Maisa, até ser novamente deslocado, agora pelos funcionários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão que substituiu o SPI, onde foi devolvido para sua tribo no MS. A retirada forçada da nova família em MG fez com que cortasse o vínculo total o grupo. A partir de entrevistas com dezenas de membros dos Maxakali e Kaiowá, Sueli tenta localizar o pai, idoso, e discutir o assunto com ele, além de pegar depoimentos de familiares e das comunidades que o conheceram. O filme origina-se dos relatórios finais da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, que também investigou casos de separação de família de tribos, incluindo os Maxakali e os Guarani-Kaiowá. Com a câmera centrada no rosto e corpo dos personagens, com planos estáticos em que relembram a dor da separação, o doc trata também da violação das terras indígenas não só na época da ditadura, mas na atualidade – o estado do Mato Grosso do Sul ainda é foco de entraves como esbulho, disputa de terras e morte de indígenas. Filmado entre 2020 e 2024, o filme procura resgatar a luta dos povos Tikmũ’ũ, também chamados de Maxakali, de Minas Gerais, e os Kaiowá, da tribo Guarani, do Mato Grosso do Sul, pela preservação de seus espaços e de suas culturas. Dirigem junto de Sueli seu marido, Isael Maxakali, que é artista visual, o antropólogo Roberto Romero e a professora Luisa Lanna – Sueli e Isael já dirigiram curtas e longas sobre a questão da memória e a luta indígena, como ‘Yãmĩyhex: As mulheres-espírito’ (2019), e ‘Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa terra é nossa!’ (2020). Está nos cinemas pela Embaúba Filmes.

 

Meu nome é Maria

Exibido no festival de Cannes de 2024, é um sólido drama biográfico dedicado à atriz retratada no filme, Maria Schneider (1952-2011). O longa não exatamente conta a vida toda de Maria e sim reconstitui um período crítico de sua carreira, as gravações do polêmico ‘Último tango em Paris’ (1972). Toca em momentos cruciais e públicos dela, como não ter sido reconhecida como filha do famoso ator francês Daniel Gélin (1921-2002), que a teve fora do casamento; a incursão nas artes aos 15 anos como atriz de teatro e modelo; a relação de altos e baixos com a mãe, com quem morava; e o pontapé na carreira, quando aos 19 anos conseguiu a chance de sua vida ao contracenar com Marlon Brando em ‘Último tango’ (Matt Dillon faz Brando, numa caracterização interessante, apesar de a maquiagem ficar por vezes over). O tratamento da obra segue a tumultuada produção que culminou numa grave crise entre Maria, Brando e o diretor italiano Bernardo Bertolucci. Na famosa cena de estupro, sugerida de última hora por Brando a Bernardo, a atriz não foi avisada; ela foi forçada em cena, com constrangimento, já que suas roupas eram arrancadas em frente à câmera. Maria, em entrevistas, diz que tal fato foi um abuso que causou para sempre trauma psicológico, e que Bernardo fazia qualquer coisa para obter fortes reações da atriz nas cenas – o que muito tempo depois o diretor confessou. O filme traz o relacionamento afetivo de Maria com a jornalista Noor – ela era bissexual, e registra um pouco do temperamento agressivo que a isolou do mundo. Maria entrou e saiu das drogas várias vezes, teve overdose, tentou suicídio, abandonou gravações de filmes no meio e morreu deprimida, em 2011, durante tratamento de um câncer de mama. Apesar de não ser nada parecida com a atriz, a romena radicada na França Anamaria Vartolomei, de ‘O acontecimento’ (2021), está muito bem no papel central. Após passar nos cinemas brasileiros esse ano, chega ao streaming da Reserva Imovision.

Autor

Felipe Brida
Jornalista e Crítico de Cinema. Professor de Comunicação e Artes no Imes, Fatec e Senac Catanduva