Estreias da semana – Nos cinemas e no streaming
Iracema – Uma transa amazônica
Um clássico absoluto do cinema brasileiro retorna, 50 anos depois, em uma impressionante cópia restaurada em 4K, para as principais salas do país. Um drama que enfrentou a censura durante a Ditadura no Brasil, que permanece com história mais atual do que nunca, registrando feridas abertas do Brasil. Coprodução Brasil, Alemanha Ocidental e França, dirigido pela dupla Jorge Bodanzky e Orlando Senna, o filme, de 1974, é uma crítica social sobre as relações de trabalho escravo na Amazônia, com foco na ocupação de terras indígenas, bem como a devastação das florestas por fazendeiros, grileiros e garimpeiros. Mesclando documentário e ficção – doc porque capta a realidade nua e crua das queimadas enquanto o filme era rodado, além de trazer indígenas que não eram atores não-profissionais para interpretar ‘eles mesmos’, e ficção pois a história narrada parte de um roteiro inventado. Na trama, simbólica e questionadora, acompanhamos as viagens do caminhoneiro Tião (Paulo César Peréio) pela recém-construída rodovia Transamazônica, e a relação amorosa dele com uma indígena retirada de seu povo, Iracema (Edna de Cássia). No meio dessas andanças dos personagens, o ‘progresso’ do país com a construção do megalomaníaco projeto da Transamazônica, elaborado na Ditadura e que tinha como objetivo a construção de uma rodovia federal que cortaria o país de leste a oeste, da Paraíba ao Amazonas, com quase 4300 quilômetros de extensão, cruzando sete estados. Um projeto falido, que buscava integrar o país, mas aos poucos foi sendo abandonado, marcado por problemas socioambientais, como devastação, ameaça aos povos indígenas, desvios de dinheiro e dificuldades de acesso. É o período do ‘Milagre Econômico’, que escondia nesse Brasil profundo a destruição dos povos originários, das comunidades ribeirinhas, expondo a grilagem e a exploração sexual de crianças e jovens indígenas – tema que aparece bem no filme. Exibido no Festival de Cannes pela primeira vez em 1976, o filme foi logo engavetado pela ditadura por cinco anos, até que teve, em 1980, a primeira exibição nacional, no Festival de Brasília, onde ganhou os quatro prêmios que concorreu – melhor filme, edição, atriz para Edna de Cássia e atriz coadjuvante para Conceição Senna, esposa do diretor Orlando Senna. O longa foi filmado em 16mm para a emissora de TV alemã Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF), antes de ter a versão para o cinema. A restauração digital em 4K partiu dos negativos originais de imagem e do magnético de som da versão alemã, preservados nos arquivos da ZDF. Exibido agora com um corte de quatro minutos em relação à versão apresentada no Festival de Cannes em 1976, ampliada para 35mm. A restauração de imagem e digitalização das matrizes ocorreu no laboratório Cinegrell, em Berlim, e a restauração de som deu-se nos estúdios JLS de São Paulo, ocorridas entre junho e setembro de 2024. As matrizes digitais de preservação foram feitas pela Cinemateca Brasileira e serão conservadas lá. Assim que a restauração foi concluída, o filme teve a primeira exibição dessa nova cópia no Festival do Rio, em outubro de 2024, e esse ano ela voltou para o Festival de Berlim, para a edição comemorativa do filme. É essa a versão final que está nos cinemas agora, com belíssima imagem, na metragem de 91 minutos. Distribuição nas salas pela Gullane+.
Lobisomem
Estreou semanas atrás no Prime Video, depois de passar nos cinemas em janeiro, essa boa e muito curiosa revisão da clássica história de ‘Lobisomem’, que já teve inúmeras versões para cinema. Agora, o diretor Leigh Whannell muda o tom, passando do terror visual para um horror psicológico, tocando em temas sérios, como paternidade e casamento em crise. Cinco anos atrás Whannell já havia revisitado outra história pertencente ao horror clássico em ‘O homem invisível’ (2020), em que bem tratou sobre violência doméstica. Nesse agora mito moderno, conhecemos uma família que viaja para as montanhas remotas do Oregon para passar um final de semana isolados do mundo – o marido, a esposa e a filha. Trinta anos antes, um homem desapareceu numa trilha daquela região, e, segundo lendas locais, ele reaparece de vez em quando, após ter contraído uma doença chamada ‘Febre das colinas’, que deixou seu rosto com cara de lobo. A família está instalada na casa do pai de Blake (Christopher Abbott). A esposa, Charlotte (Julia Garner), e a filha, Ginger (Matilda Firth), ficam receosos quanto ao local abandonado, sem ninguém por perto. Até que numa noite, Blake é atacado por algo estranho na estrada – ele fica ferido e pouco a pouco algo maligno toma conta de seu corpo, aguçando seus ouvidos e seu faro. Com apenas três atores em cena e uma abertura em flashback, o filme constrói um novo ponto de vista sobre a notória história de lobisomem, aqui mais realista e menos sanguinário do que conhecemos. E que trata de algo além do mero terror passatempo. Tem clima de tensão e angústia, com os personagens aprisionados numa casinha antiga, os ruídos que vem de fora, à noite, dão arrepios, e alguns jumpscares complementam os momentos mais instigantes do longa. Boa parte da crítica detestou o filme, e eu fui contra a corrente – gostei muito, revi essa semana e indico para quem aprecia obras do gênero.
Lobisomem (Wolf man). EUA/Irlanda/Nova Zelândia, 2025, 103 minutos. Terror/Drama. Colorido. Dirigido por Leigh Whannell. Distribuição: Universal Pictures
Autor