Enxugar gelo

A nova versão do Programa Mais Médicos espera atenuar a falta de médicos em locais desprovidos deste nível de assistência. Existem locais ou funções que ninguém quer assumir, tanto no Brasil profundo quanto nas cidades grandes.

A ideia é boa. Mas foge de questões centrais. A primeira é a criação da carreira de estado. Ao invés de ser bolsista e temporário, o médico deveria ser concursado e designado para os locais conforme sua classificação no concurso. Não tem nada de novo nisso. Já existe para juízes, promotores, defensores públicos, delegados de polícia, professores, etc. Além de aumentar a chance de fixação no local, permite a perenidade e progressão na carreira. É uma reivindicação antiga da classe médica.

O segundo e talvez o maior erro da primeira versão do programa foi a vinda dos médicos cubanos sem a revalidação dos diplomas e nem prova de suficiência de idioma, regras elementares em qualquer país do mundo. Isto deu margem à produção de muitas notícias falsas a respeito dos cubanos além de levar o debate do campo técnico para o ideológico. Não sou contra a vinda de médicos estrangeiros. O Canadá, onde predomina a saúde pública, um quarto dos médicos são estrangeiros. Não entrarei no mérito do restante da lei do Mais Médicos e nem sobre a omissão em relação a outros profissionais de saúde. Não cabe neste espaço.

O fato é que a verdadeira raiz do problema da saúde no Brasil não é nem de longe enfrentada pelos governantes. Quando se fala em políticas de saúde, estamos tratando de algo bem mais amplo e simplista do que gastar dinheiro em hospitais. É claro que diante de uma situação mais grave, necessita-se de um leito hospitalar para resolver o problema. Mas a verdadeira essência de uma política de saúde está na atenção primária ou atenção básica (são termos equivalentes). Ela leva à melhoria das condições de saúde da população e também economia de dinheiro. Prova disso é que muitas operadoras de saúde (convênios particulares) já estão adotando a atenção primária para seus clientes.

Um hospital é uma estrutura muito cara. Não importa o tamanho. É caro para construir, é mais caro ainda para manter. Vivemos um apagão de mão-de-obra no Brasil. Falta gente qualificada. Outro fato a ser lembrado é que hospitais com menos de 100 leitos dificilmente são viáveis financeiramente. Portanto, a conta não fecha em hospitais de cidades pequenas.

Em saúde não existe nada simples. Exige-se gestão competente e vontade política. Tudo dá trabalho. Tudo é caro. Os resultados demoram um pouco a aparecer. A saída para 85% dos problemas de saúde e para a sobrecarga do sistema, embora trabalhosa, é óbvia: investir bastante na atenção primária. O resto quase sempre é imediatismo atabalhoado. E dinheiro jogado fora! É o que penso do Mais Médicos.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.