Ensino religioso nas escolas públicas de Catanduva: falta de demanda ou de oferta da disciplina?

 

Desde a Constituição Federal de 1934 o direito do cidadão ao ensino religioso nas escolas públicas é algo pacífico e garantido em nosso país. Assim é que, resguardada a laicidade do Estado, a vigente Constituição Federal, promulgada em 1988, estabelece em seu artigo 210 § 1 que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.

E, ao ente público, enquanto gestor da educação de ensino fundamental, compete o dever de promover aos alunos das escolas públicas, dentre outras matérias de formação básica comum, aquela do ensino religioso, cuja matrícula sempre conservará o caráter de optativa. Ao redigir este preceito, quis o Constituinte estabelecer que a oferta desta disciplina devesse ser fixada como conteúdo mínimo, também para atender ao direito de crença e consciência dos cidadãos (CF, 5º, VI). A Constituição do Estado de São Paulo recebe o preceito constitucional federal, estabelecendo igual princípio em seu artigo 244. 

A Lei Federal nº 9.394/96 (LDB) estipula em seu artigo 33 que, em harmonia com a Constituição Federal, “o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.

E o tópico 4.5 da BNCC - base nacional comum curricular, quando trata do tema “A Área de Ensino Religioso”, aponta as seguintes diretrizes: A Constituição Federal de 1988 (artigo 210) e a LDB nº 9.394/1996 (artigo 33, alterado pela Lei nº 9.475/1997) estabeleceram os princípios e os fundamentos que devem alicerçar epistemologias e pedagogias do Ensino Religioso, cuja função educacional, enquanto parte integrante da formação básica do cidadão, é assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa, sem proselitismos. Mais tarde, a Resolução CNE/CEB nº 04/2010 e a Resolução CNE/CEB nº 07/2010 reconheceram o Ensino Religioso como uma das cinco áreas de conhecimento do Ensino Fundamental de 09 (nove) anos”. 

Como reza um antigo aforisma, “dal dire al fare, c’è di mezzo il mare”, ou seja, da simples fala à sua concretização, enormes são as distâncias. Assim sendo, mesmo levando em conta o amplo fundamento jurídico acima, quanto ao dever de promoção pelo ente estatal do ensino religioso nas escolas públicas, não é que estejamos navegando num mar de rosas quanto ao exercício por parte de familiares e educandos deste direito constitucional, para a formação integral da cidadania. Ao que parece, do resultado obtido em consultas promovidas pela Diocese de Catanduva junto à Diretoria Regional de Ensino e à Secretária Municipal de Educação locais, embasadas no direito à informação (Lei Federal nº 12.527/2011), foi percebida uma “fictio iuris” mediante a qual a disciplina “ensino religioso” consta na grade curricular, mas, o ente responsável se desincumbe da sua tarefa constitucional alegando “falta de demanda” por parte de possíveis interessados. 

Merece ainda nota “certa confusão na utilização dos conceitos de laicidade e laicismo”, como se se tratasse de “sinônimos e que supostamente fariam referência a um mesmo fenômeno histórico e social que privaria a religião de sua participação pública na sociedade”1 (CNBB, 2018, p.21). Como ensina a Doutrina Social da Igreja, “a laicidade, de fato, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só”2 (PONTIFICIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ, 2005, n. 571).

A compreensão errônea de laicidade, confundindo-a com o execrável laicismo que, segundo o Papa João Paulo II, “leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição da liberdade religiosa, até promover o desprezo ou a ignorância de tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública”3 (JOÃO PAULO II, 2005), podemos perceber nalguns recentes acontecimentos em nossa cidade.

Aliás, o elemento motivador para as supracitadas consultas da Diocese aos órgãos responsáveis pelo ensino no município, foi a resposta obtida por uma de nossas paróquias numa das escolas situadas na cidade de Catanduva. Ali se obteve a informação de que, “por ordem do Estado”, nenhuma ação de interesse religioso poderia vir a ser considerada na instituição; donde a dúvida pela observância do preceito constitucional quanto à oferta obrigatória, com matrícula facultativa, da disciplina de ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental, tal como estipulada na vigente Constituição da República Federativa do Brasil, bem como na Carta magna do Estado de São Paulo.  

Não obstante as “respostas oficiais” dos entes estatais consultados (Diretoria Regional de Ensino e Secretaria Municipal de Educação), estabelecida a “fictio iuris” e subsequente permanência da dúvida, alguns líderes de Igrejas cristãs da cidade, se dispuseram a caminhar juntos, seja no estudo para a adequada compreensão do tema, seja de seu alcance e exequibilidade.

A nossa pretensão é que, de fato, seja garantida aos cidadãos a oferta da disciplina de ensino religioso nas escolas públicas, com matrícula facultativa aos interessados; igualmente, que possamos contar com algum instrumento de verificação de que esta oferta da matéria, caso ainda não tenha realmente ocorrido em cada uma das instituições de ensino fundamental da cidade, sejam elas estaduais ou municipais, na próxima etapa de matrículas, não venha a faltar.

E enquanto líderes religiosos, sempre nos situando no rigoroso respeito ao princípio da laicidade do Estado, expressamos nossa disponibilidade em cooperar na fixação dos conteúdos básicos comuns a serem ministrados em sala de aula, bem como em cooperar na formação específica do corpo docente a ser disponibilizado pelas instâncias competentes no cumprimento do seu dever constitucional: oferta obrigatória da disciplina, com matrícula facultativa aos eventuais interessados. 

Importa ainda uma menção de honra à atual Secretária Municipal de Educação da cidade de Catanduva, Sra. Cláudia de Carvalho Cosmo. A sua atenção ao tema e implicações nos impulsionou, grupo de líderes religiosos cristãos interessados no assunto, a dar passos firmes e adiante. Muito obrigado, Prof. Cláudia, pela excelência de suas explicações e disponibilidade em fazer avançar a compreensão da problemática que nos impõe o atual momento. 

Pleiteamos respeito à cidadania, preservando a liberdade, defendendo os direitos dos cidadãos, dentre os quais, aquele da “oferta obrigatória da disciplina do ensino religioso nas escolas públicas, com matrícula facultativa aos eventuais interessados”. Concluo lembrando o aforisma “sub umbra legis, libertas!”, quer dizer, “sob a sombra da lei, a liberdade!”. Este o nosso voto, essa a nossa luta!

Autor

Dom Valdir Mamede
Bispo Diocesano de Catanduva