Efemérides de um novo ano

Depois de um ano cheio de efemérides, com o bicentenário da Independência, o centenário da Semana de Arte Moderna, os 90 anos do direito de voto feminino, os 80 anos da entrada do Brasil na Guerra, os 40 anos da volta da eleição direta para governador, os 30 anos do impeachment de Collor de Mello e os 20 anos da primeira eleição de Lula, 2023 dá um refresco para os estudantes em geral e candidatos aos vestibulares em particular, com poucas datas importantes para serem lembradas. Quatro delas merecem destaque: os 90 anos da ascensão de Hitler ao poder; os 70 anos da morte de Stalin, os 60 anos do assassinato de Kennedy e os 50 anos do golpe de Estado no Chile, que resultou na morte do presidente eleito Salvador Allende.

As datas redondas são um atrativo permanente para o professor de História e para o público em geral. Temos fascínio por números redondos. Se qualquer um de nós entrar em uma loja e for parabenizado por ser o cliente número 10.000, ficaremos alegres com a sorte que tivemos; no entanto, se recebermos um brinde e formos congratulados porque somos o cliente de número 7.897, é bem provável que não deixemos de perguntar: por quê? A culpa disso é o nosso sistema decimal que, desde sempre, ou quase desde sempre, permitiu que usássemos os dedos das mãos para contar as coisas à nossa frente. Daí os múltiplos de 10 terem esse significado especial entre nós. Verdade que os francos contavam os dedos das mãos e dos pés e, por isso, o sistema de contagem deles é baseado no número 20. Nós dizemos oitenta e eles dizem quatre-vingt. Trazemos também, na nossa cultura, a influência do sistema duodecimal dos mesopotâmicos (sumérios e babilônicos) e que, por causa disso, tornou-se o principal marcador do tempo entre nós. Nosso ano tem 12 meses, nosso dia tem 24 horas, nossa hora, 60 minutos, nosso minuto, 60 segundos.

Tudo tem uma História. Até o jeito de a gente marcar as histórias.

Em 2023, faço 40 anos de magistério. 40 anos ininterruptos trabalhando com adolescentes, desde o primeiro encontro, no fim de fevereiro de 1983, quando entrei em uma sala de quinto ano do primeiro grau (hoje sexto ano do fundamental II) de um supletivo de bairro, na cidade de Curitiba (PR). Eu ainda era estudante universitário e entrei em sala para quebrar o galho do diretor que era conhecido do meu pai e que havia ficado sem o seu professor de História um dia antes do início das aulas. Lembro-me, com clareza, do frio na espinha, o suor gelado nas minhas têmporas, o medo e a vontade de desistir. Mas fui, dei o passo fatal para dentro da sala e olhei aqueles rostos de jovens e adultos, todos em busca de uma superação para os obstáculos que a vida lhes impôs; muitos saindo do trabalho, cansados, muitos com fome, carregando os diversos problemas da vida sofrida de pessoas pobres. Desde esse primeiro momento, compreendi que meu papel era muito maior do que um mero transmissor de conteúdos sobre um passado abstrato e genérico, mas o de um criador de pontes intelectuais para o futuro, um lugar que seria construído com as vivências e os aprendizados daqueles encontros semanais.

Hoje, já sessentão, continuo encantado com o meu trabalho e sempre interessado em como levar o passado para o presente e como torná-lo uma reflexão importante para o futuro. Como disse o poeta: “Cada qual são seus caminhos”. Não somos, fazemo-nos com o que temos e com o que aprendemos com os outros e apreendemos dos outros. Como as histórias de ditadores que não podem ser esquecidos, assassinatos que não podem ser repetidos, golpes que não podem jamais voltar a ser perpetrados. Isso não é matéria de prova. É matéria para a vida que queremos ter e que a escola ajuda a moldar.

Que o ano escolar de 2023 seja rico de histórias e de aprendizados. O futuro agradece.

 

Daniel Medeiros

Doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.