Efeito Dominó

Toda ação tem sua reação? Provavelmente. Em algum nível ou dimensão, algum efeito, perceptível ou imperceptível, ocorre derivado de uma causa.

Proponho um exercício mental para que você consiga perceber que os acontecimentos da sua vida se inserem em estruturas de acontecimentos micro e macro existenciais, tanto no plano puramente subjetivo e individual quanto no plano estritamente objetivo e coletivo; e que ambos os planos se interconectam, se interpenetram, mutuamente se interferem em graus mais ou menos físicos, mais ou menos metafísicos. Será apenas uma narrativa ficcional, a qual você acompanhará com a sua melhor e mais bem disposta atenção. Estamos combinados?

Uma torneira goteja no fundo do seu quintal há duas semanas. Um pequeno fio d’água se forma e corre em direção ao quintal vizinho. Lá, por entre as ranhuras do ladrilho cimentado, pequenas e intercaladas moitinhas de mato se formam. Seu vizinho percebe as plantinhas crescendo entre os trincos do concreto, não gosta do que vê e resolve arrancar cada uma dessas pequenas ervas daninhas, utilizando-se de uma faca e de uma chave de fenda, já que não tem ferramentas adequadas. Seu vizinho se ajoelha sobre o concreto e passa mais de duas horas nesta posição incômoda. Seu vizinho, cansado, deixa para terminar o serviço outro dia e já dá os primeiros sinais de irritação psicológica (porque percebeu a origem da água que fez crescer o mato) e de exasperação física: dor nas costas e os dois joelhos ralados, frutos da posição nada ortopédica que precisou adotar. Irritado, desconta sua irritação respondendo rudemente à esposa que lhe perguntava sobre algumas das contas na fatura do cartão de crédito. A mulher manda o marido às favas e não lhe prepara o jantar. O marido, seu vizinho, resolve preparar o jantar. Mal sabe fritar ovos, mas lá vai fritá-los e, sem prática, deixa o óleo ir além do ponto seguro de temperatura. Seu vizinho acaba se queimando com os espirrões de óleo. Mais precisamente: óleo quente atinge seu olho direito. Com muita dor, ele dirige sozinho até o pronto socorro. Lá, tem que esperar por quase duas horas e meia até que uma enfermeira lhe preste os primeiros socorros, já que o médico está sozinho no plantão. Acaba sendo atendido quase à meia-noite, chegando em casa pouco depois das 2h, em plena madrugada. Com dor no olho, vai deitar sem ajustar o alarme do relógio. Seu vizinho acorda atrasado e, por isto, chega ainda mais atrasado ao trabalho. Leva uma advertência verbal do patrão. Com as irritações acumuladas e o olho ainda doendo, seu vizinho fica com um mau humor do cão e, por isto, clichê dos clichês, acaba chutando um cachorro, o mascote da fábrica onde trabalha. O cachorro, valente, lhe tasca uma mordida no calcanhar. Seu vizinho novamente vai ao mesmo pronto socorro, agora levado pelo técnico em segurança do trabalho da empresa. Com duas horas de espera, mais irritação se acumula. Seu vizinho é devidamente tratado e mandado para casa assim que termina a consulta, a mando do gerente. Seu vizinho descansa o resto do dia, se recompõe, sua mulher com pena faz uma boa macarronada, eles se reconciliam e tomam algumas cervejas juntos, seu vizinho transa e dorme bem, coloca o relógio para despertar, acorda no horário, trabalha o dia todo e, quando volta para casa à tarde, observa: a água continua vazando do seu quintal para o quintal dele e algumas das moitinhas de mato já estão maiores. Pergunta: a culpa de tudo isto é sua, que notou a torneira vazando e ainda não a consertou? Ou tudo não passa de acaso aleatório, agindo louca e caoticamente sobre a vida de todos?

A narração anterior representa praticamente todos os cenários existenciais aos quais estamos submetidos. A questão é: como não se deixar conduzir por toda sorte de acontecimentos e não acabar sendo um mero “produto do meio”, um produto do infinito efeito dominó iniciado desde que tudo começou para todos?

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor