Edie Frey – entre a música e a política (III)

As arbitrariedades cometidas no Regime Militar atingiram as classes mais diversas, inclusive na cidade de Catanduva.

Ao assumir a Assembleia Legislativa como deputado estadual, Antônio Mastrocola, o Bacurau, que era diretor da Caixa Econômica Federal, atendeu a um telefonema de Dona Iolanda, esposa do presidente Arthur da Costa e Silva, pedindo-lhe que reservasse bilhetes da loteria federal. Bacurau respondeu que isso não poderia ser feito, pois os bilhetes eram distribuídos às casas lotéricas. Não atendendo à solicitação da mulher do presidente da República, dias depois foi demitido da Caixa.

Preso pelo DOPS, José Alberto Righetti sofreu torturas. Foi demitido do cargo que exercia na Prefeitura Municipal de Catanduva e, para sobreviver, passou a vender livros.

Outro catanduvense, Dr. Ivan Ângulo, filho do médico cardiologista Cervantes Ângulo, também foi perseguido e preso, humilhado de todas as formas.

Já Murilo Farinazzo teve sua prisão decretada quando, em São José do Rio Preto, iria pegar um trem para São Paulo. Era professor secundário, muito reconhecido e, posteriormente, exerceu o cargo de delegado de ensino em Catanduva. Não sofreu torturas físicas, apenas morais.

Em Urupês, a ditadura prendeu o estudante Milton Porsani, cujo pai possuía um bazar naquela cidade. Estudava na capital do Estado. Ficou encarcerado no DOPS, sofrendo também tortura moral.

Outro estudante preso foi Antônio de Pádua Perosa, o Tonho, de tradicional família política de Urupês.

Protestos e Mortes

A partir de 1967, os estudantes intensificavam os protestos nas ruas. Iniciava-se uma onda de revolta popular, com jovens atacando policiais em confrontos a céu aberto. Criticavam, principalmente o acordo MEC-Usaid, isto é, o acordo celebrado entre o Ministério da Educação e Cultura do Brasil e United States Agency foi International Development, cuja finalidade era de reformar estruturalmente o sistema educacional brasileiro, impondo um modelo americano aos diversos níveis de ensino. Para tal, seriam contratadas assessorias norte-americanas, o que desencadeou revolta e muita polêmica.

O mais grave de todos os fatos relacionados ao protesto estudantil veio no ano de 1968: o assassinato do estudante Édson Luiz de Lima Souto, no dia 28 de março, dentro do Restaurante Calabouço, principal ponto de encontro para manifestações entre jovens no Rio de Janeiro. Tinha acabado de completar 18 anos. Sua morte, causada por uma bala disparada por soldados que invadiram o local para barrar a reunião entre jovens idealistas, ocasionou, três meses depois, uma manifestação maciça e explosiva na Avenida Rio Branco, no centro da capital carioca, reunindo cerca de 100 mil pessoas.

O aperto político pelas mãos dos militares viria a partir de 13 de dezembro de 1968, com o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que suspendia direitos políticos e cassava mandatos, além de censura à imprensa e uma série de medidas insensatas. Inúmeros parlamentares foram alvos desse AI que cassou figuras importantes do país.

Terceira Prisão

Em 31 de outubro de 1970, Edie foi preso pela terceira vez no quartel do Exército de Lins, quando regressava de Marcondésia, distrito de Monte Azul Paulista, onde tinha ido visitar sua sogra e seu cunhado. Antes de se entregar, pediu ao seu filho Clóvis que procurasse o advogado Vicente Celso Quaglia e o avisasse para que fugisse, caso contrário seria preso também. Clóvis encontrou-o e transmitiu-lhe o recado. No final das contas, Dr. Quaglia não fugiu e foi preso.

Os dias continuavam sombrios. No governo de Emílio Garrastazu Médici, o mais autoritário dos presidentes, a situação se complicava ainda mais. Não havia perdão para ninguém.

Edie foi detido durante a “Operação Tarrafa”, cuja finalidade era caçar comunistas e subversivos. Estava na lista mais uma vez, juntamente com o médico Dr. Manoel dos Santos Quelhas e o advogado José Aparecido Murad, de Santa Adélia.

No quartel em Lins, encontrou-se com o Dr. Quaglia e também com outros catanduvenses, como os professores Luiz Roberto Benatti e Luiz Carlos Rocha e os advogados Constante Frederico Ceneviva e Tácito Ribeiro Costa. Lá estava, também, Roberto Rollemberg, deputado federal que, muito simpático e de boa prosa, atraía a atenção de todos os que o rodeavam para ouvir suas magníficas histórias e lições de vida.

Edie ficou preso 15 dias e foi libertado por falta de provas que o incriminasse. Acusaram-no, novamente, de comunista, de difundir ideias consideradas subversivas entre a classe estudantil.

Em um dos documentos oficiais do exército descreveram-no como “(...) homem agitador e de grande agilidade mental, recrutando diversos adeptos profissionais, com cobertura de advogados que o apoiavam”.

Acusavam-no, ainda, der pregar abertamente o Comunismo dentro da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Catanduva – FAFICA – onde este era professor, bem como dentro do Fórum, onde desempenhava funções como advogado.

Anistia

Na sucessão do presidente Ernesto Geisel, assumiu o governo o general João Batista Figueiredo, dentre as atitudes mais coerentes, estavam a extinção do AI-5, em dezembro de 1978, e a tão esperada Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979.

Edie foi anistiado pelo governo João Batista Figueiredo em 1979, bem como muito de seus amigos, que estavam presos, também receberam libertação.

A partir de 1980 foi reintegrado ao seu antigo cargo de diretor de escola, passando a atuar na Escola Estadual Octacílio de Oliveira Ramos. Aposentou-se no final dos anos 90, deixando um belo trabalho sócio-educacional na história daquela escola.

Na metade dos anos 2000, pouco mais de 25 anos de sua anistia política, entrou com pedido de indenização, tanto em âmbito estadual quanto federal e, em 2006, recebeu do governo metade do valor reivindicado e do qual tinha direito.

Edie José Frey morreu em 05 de fevereiro de 2011, um sábado, após ter ficado 17 dias internado no Hospital Padre Albino por causa de uma pneumonia. Seu corpo foi enterrado no Cemitério Nossa Senhora do Carmo.

Fonte de Pesquisa:

- Livro Tempos de Ditadura – Memória, de Edie José Frey, organizado por Felipe Boso Brida, Editora Komendi, Campinas – SP, 2010.

Fotos:

Imagem do antigo prédio do DOPS, durante a Ditadura Militar no Brasil, antes de passar por reformas para se transformar em centro cultural

Professor Vicente Celso Quaglia também foi preso na Operação Tarrafa, acusado de ser comunista e divulgador das ideias. Nesta foto, lançamento do livro Retalhos e Lembranças, em 06 de junho de 1997

Cortejo fúnebre de Édson Luiz de Lima Souto, jovem que foi assassinato no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968. Três meses depois de sua morte, houve uma manifestação maciça e explosiva na Avenida Rio Branco, no centro da capital carioca, reunindo cerca de 100 mil pessoas

Uma das grandes paixões de Edie foi a música, atividade de que desenvolveu por toda a vida. Nesta foto, Quarteto de Cordas: Alfredo Morábito e Miguel Varga (violinos), Edie Frey (viola) e Artur Ranzini (violoncelo)

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.