Edie Frey – entre a música e a política (II)

O mês de abril de 1964 chegou e Edie Frey foi acusado de cripto-comunista, nome pejorativo e bastante utilizado para designar os supostos comunistas mais exaltados nessa época, e organizador de reuniões secretas na casa de Basílio Toledo, comunista que estava foragido em nossa região. Frey foi preso pelo investigador de polícia Junqueira, no prédio da Câmara Municipal de Catanduva, enquanto dava parecer em projetos de lei, pois era vereador e membro das duas comissões.

Além disso, a Polícia Civil, a serviço da ditadura, arrombou as portas da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e apreendeu livros e atas de reuniões, além de documentos oficiais.

Foram presos também os estudantes de Direito, nesta “cruzada comunista”, Acácio de Oliveira Santos Júnior e Osvaldo Ganej; além do ascensorista do Banco do Estado de São Paulo, Nicanor Nunes; o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catanduva, José Cardoso; Júlio Verna e Yeiden Aguena, que era advogado do sindicato. Todos foram detidos na Cadeia Pública de Catanduva, localizada, naquela época, no porão do antigo prédio do Fórum. Permaneceram trancafiados 15 dias, incomunicáveis.

Libertação

Para libertar os presos, o Partido Social Progressista (PSP), que havia elegido o vice-prefeito Theodoro Rosa Filho, o Timochenko, como oposição ao governo municipal, exigiu a renúncia de Edie Frey. Assim, seus adversários políticos exerciam grande pressão sobre ele, e para aliviar a pressão, Edie simulou a renúncia.

Fez um requerimento ao presidente da Câmara Municipal de Catanduva, Libano Pachá, renunciando a vereança. Entretanto, deixou de fazer requerimento escrito e assinar, como determina a lei, o que invalidava sua saída. De comum acordo, Libano considerou-o renunciante e baixou a portaria, que foi publicada no Diário Oficial do Município. Dessa maneira, Edie entrou com mandado de segurança contra o ato do presidente da Câmara, que voltou atrás e anulou a portaria.

Membros do PSP, coligado ao Partido Social Democrata (PSD), requereram segurança para validar a renúncia. O promotor público que oficiou o ato quis saber se, de fato, Edie havia deixado o cargo. Seu advogado, Dr. Gabriel Cesário Cury, de São José do Rio Preto, não deixou seu cliente responder à interpelação do promotor, alegando que no mandado de segurança não poderia haver manifestação posterior e só se admitia a inicial e contestação, nada mais. Por isso, Edie acabou deixando o cargo de vereador. Com sua renúncia, Idio Penna, seu suplente, ocupou o seu lugar.

Certo dia, entrou na prisão o senador Orlando Zancaner, alegando que os detidos só poderiam sair quando não houvesse mais nenhum político preso. Dizendo isso, apresentou um requerimento ao Edie, dirigido ao presidente da Câmara Municipal de Catanduva, dizendo que ele renunciava ao cargo de vereador.

Edie não assinou, rasgou o papel, atirando-o na cara do senador, que se retirou da cela. Nesse momento, já havia ordem de soltura para todos os presos, dada pelo delegado regional da cidade de São José do Rio Preto, ou seja, num jogo infeliz, Zancaner havia faltado com a verdade.

No dia seguinte, o escrivão de polícia Braz Ortiz exigiu que todos os presos assinassem um termo declarando que prometiam, doravante, obedecer a Constituição e às demais leis do país. Todos assinaram, menos Edie, que disse ao escrivão que somente colocaria seu nome ali se fosse modificado a redação, contando que continuaria a obedecer as leis do país e principalmente à Constituição. Ortiz fez novo termo conforme o seu pedido.

Prisão no DOPS

As prisões, em 1964, eram feitas sem flagrante delito ou até sem sumário de culpa. Listas de subversivos eram elaboradas por delatores gratuitos, que se intitulavam “salvadores da pátria”. Em Catanduva, grande parte desses delatores era composta por membros do PSP (Partido Social Progressista) e um sem número de advogados.

O vereador Guido Broglia, o cardiologista Cervantes Ângulo e até o Dr. Antônio Moreno Gonzales, juiz titular da 1º Vara Civil desta Comarca e Edie Frey estavam incluídos na lista de caçados. Nesta lista também estava o nome do Dr. Vicente Celso Quaglia, advogado e professor.

Edie foi preso no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em junho de 1964, dois meses após ter sido recolhido à prisão de Catanduva.

O delegado de polícia, na época, Dr. Emílio Poloni, não permitiu que levasse consigo mala com roupas, escova de dente nem sabonete; também não permitiu que ele fosse até sua casa para se despedir de sua esposa, dos filhos e de seus pais.

Conforme relatório emitido, o Ministério da Guerra acusava-o de ser comunista desde 1955, quando ainda era professor na cidade de Urupês, onde ali residiu por oito anos. Ali foi fundado, com o vigário local, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e depois, de volta à Catanduva, juntamente com Ico Ceneviva, Osvaldo Ganej e Yeiden Aguena, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Catanduva, em janeiro de 1964.

Segundo o histórico oficial do recém criado Serviço Nacional de Informações (SNI), Edie tinha sido afastado pela Revolução de 1964 por atividades comunistas. Afirmavam que ele tinha grande penetração na classe rural nas redondezas de Catanduva.

Devido ao fato de ter contato direto com trabalhadores rurais, a polícia o taxou como insuflador, de trabalhadores da região de Catanduva, contra patrões, a fim de criar os mais variados casos trabalhistas.

Negociação

Nesse episódio da prisão no DOPS, destaca-se a figura de Pedro Soto, que demorou a localizar Edie, já que estava incomunicável. Das dependências do departamento, telefonou para o prefeito José Antônio Borelli, para o vereador Venâncio Lima Ferreira e para o advogado Ico Ceneviva, que se deslocaram rapidamente a São Paulo, inclusive acompanhados por Libano Pachá, presidente da Câmara.

Pedro Soto fazia-se passar por secretário particular do vice-governador do Estado, Laudo Natel. Libano Pachá, que era amigo de Natel, conversou com ele, pedindo seus bons ofícios para libertar Edie do cárcere. Homem de postura correta e firme, Natel não pestanejou: munido de telefone, fez uma ligação para o governador Adhemar de Barros, pedindo sua soltura imediata, pois não havia acusações graves contra ele.

Prestes a sair do cárcere, um membro do PSP de Catanduva ainda tentou impedir sua saída da prisão. Porém, Pedro Soto, que estava no DOPS como “secretário” do vice-governador do Estado, telefonou novamente para Laudo Natel, informando-o sobre o imprevisto que acabara de acontecer com Edie. Laudo, então, conversou mais uma vez com Adhemar de Barros, insistindo para que fosse liberado daquele lugar infernal. Enfim, no dia seguinte, voltou para Catanduva, após longa negociação. (Continua...)

 

Fonte de Pesquisa:

- Livro Tempos de Ditadura – Memória, de Edie José Frey, organizado por Felipe Boso Brida, Editora Komendi, Campinas – SP, 2010.

 

FOTOS:

Sessão solene a Câmara Municipal de Catanduva, no ano de 1964, em homenagem aos ex-vereadores Amil Záckia e Antônio José Miranda, falecidos em um trágico acidente automobilístico. Na foto, atrás da esquerda para a direita: Antônio Díspore, Edie Frey, Guido Broglia a Attílio Busnardo, ex-prefeito de Pindorama. Na frente: Cionéia Miranda, Maria Záckia e Ângelo Mestriner

A primeira prisão de Edie Frey se deu em abril de 1964, onde ele, e mais um grupo de pessoas acusadas de serem comunistas, foram detidos na Cadeia Pública de Catanduva, localizada, naquela época, no porão do antigo prédio do Fórum. Permaneceram trancafiados 15 dias, incomunicáveis. Nesta foto, o referido prédio na década de 1950

Um dos grandes parceiros de Edie Frey foi o vereador Libano Pachá, que na época também exercia o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Catanduva (em pé, de óculos, no canto esquerdo). Nesta foto, tirada em 28 de abril de 1968, Comissão de vereadores acompanhando Padre Albino à Câmara Municipal onde recebeu o título de “Cidadão Benemérito de Catanduva”. Estão na foto da esquerda para a direita: Libano Pachá, Floriano Lima, Lúcio Cacciari, Padre Albino, Ângelo Mestriner e Venâncio Lima Ferreira

Laudo Natel (foto) foi um dos grandes responsáveis pela soltura de Edie quando este foi preso no DOPS. Através de intermédio de Pedro Soto, Laudo fez uma ligação para o governador Adhemar de Barros, pedindo sua soltura imediata, pois não havia acusações graves contra ele

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.