É ou não é artista?

“Eu sou artista. Essa frase é o contrário de ‘eu já sei, eu já encontrei’. Essa frase significa ‘eu procuro, eu persigo, eu faço com toda dedicação’.”

Vincent Van Gogh

Pintor holandês (1853-1890)

 

“Todo mundo virou artista hoje em dia, porque todo mundo pode ser artista, agora ator não é todo mundo que pode ser”, afirma Fernanda Montenegro, a grande diva brasileira das artes cênicas. Seja no teatro, televisão ou cinema, ela representa a classe artística com seu imenso talento como também com a clara consciência do ofício de ser artista. Seu posicionamento é fruto de quem vive há décadas numa labuta insana e constante de sobrevivência profissional e humana, pois vivemos em um país que não tem políticas culturais, muito menos memória cultural, nem respeito ao artista.

No entanto, há o fenômeno das redes sociais, do mundo digital, e que fez com que qualquer pessoa com um celular na mão se torne “artista”. E vive de likes e seguidores. No próprio universo profissional de casting para comerciais ou produções em vídeo há um novo item de exigência no currículo: quantos seguidores o “artista” tem em suas redes sociais. Seu engajamento na internet pode definir sua contratação ou não para um trabalho “artístico”.

Insistimos nas aspas para as palavras artista ou artístico, porque hoje esse conceito se perdeu de forma desastrosa.

Colocamos no cabeçalho do artigo a frase do artista que mudou a história das artes plásticas e influenciou fortemente todas as expressões artísticas. A própria Cia da Casa Amarela é profundamente inspirada por ele ao ponto de escolhermos sua referência ao amarelo para nomear nossa cia teatral.

Van Gogh tinha razão ao afirmar que o artista procura, persegue, com toda dedicação. O artista é exatamente isso e busca loucamente expressar seu mundo interior para trocar com o público, numa viagem sem precedentes e sujeita a todo tipo de emoções e comoção. Não há limite para o artista. Contudo, o artista verdadeiro que se entrega de corpo e alma ao seu ofício artístico, não vive nem convive com o superficial e o fútil das redes sociais como forma de sobrevivência. Quando se aventurar nesse campo, será sempre para produzir com critérios e jamais com o simplório desejo de obter seguidores.

Artista precisa de público, plateia, pessoas que possam trocar com ele, e não apenas viver a febre das redes sociais.

Setembro começa com a consciência amarela de uma força incomensurável da criação artística e por isso nos lembramos de Van Gogh, que entregou sua vida ao ofício artístico, e dividiu a história da Arte! Essas são as referências artísticas! Não se mede um ator, uma atriz, por exemplo, pelo engajamento nas redes sociais e nem se elege um artista pelos votos eletrônicos de quem nem frequenta teatro, ou não tem a mínima condição de avaliar talentos, mesmo porque já não sabe mais o que é bom ou ruim, nesse mar de banalidades em que vivemos.

Fernanda Montenegro conclui: “quando me perguntam o que é que você diria para um ator que está começando, eu sempre digo: desista! Não passe perto! Saia disso! (…) porque confundem teatro… os famosos “celebrities”… então a coisa é pegar o eletrônico que vai cuidar dele, que vai polir ele, se não for bom, repete a cena, repete outra vez, ou então corta, coloca uma música de fundo, coloca uma lágrima, vai preparando como se fosse uma autômato e depois pode resultar muito bem, porque ele se apropria daquela técnica, vai fazendo e vai virando o chamado ator, não é? O artista!”

Tristemente, sim, tristemente vemos nosso ofício (no nosso caso há quatro décadas) jogado no lixo da internet e açambarcado por quem não tem o que oferecer, não tem talento, nem boas ideias, nem compromissos sérios. São os influencers e mesmo os pseudoartistas que mal sabem falar um texto ou expressar uma ideia, um sentimento, um nobre objetivo de vida, mas que têm seus seguidores, likes enganadores e visam apenas uma projeção social e/ou política. Para constar: só permanece quem tem história e talento.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.