Domingos Borges da Costa (II)

Dando continuidade ao assunto publicado nesta coluna na semana passada sobre a vida de Domingos Borges da Costa, mais conhecido como Minguta, finalizo hoje uma série de curiosidades e informações pesquisadas e divulgadas em livro pelo Monsenhor Victor Rodrigues de Assis.

Retrato

De estatura mediana, cabelos claros, olhos azuis e vivos, nariz afilado, boca normal, rosto mais comprido que redondo, barba e bigode conservados.

Sua palavra era macia, seu sorriso acolhedor. A ninguém contradizia e com ninguém jamais brigou. Levantava-se muito cedo e ia, por uma trilha reta, da sua casa à igreja. Ia assistir a Santa Missa e recebia diariamente a Sagrada Comunhão.

Padre Albino nunca deixou sua paróquia sem missa e Minguta também não perdia uma só missa durante a semana. Todos os dias ia lá o Minguta, de pé no chão ou de alpargatas fabricadas por ele próprio, sem paletó, com passos rápidos de assistir à Santa Missa. Durante o dia não perdia o seu tempo com coisas vãs ou qualquer divertimento. Não ficava em botecos ou esquinas.

Era chamado, por todos, pelas seguintes alcunhas: patriarca, capelão, padre, rezador, igreijeiro, sacristão e outras coisas mais. Ele sentia-se honrado com esses apelidos.

O “advogado”

Quando Minguta percebeu os insultos de alguns mal educados contra o Padre Albino e as críticas nos botecos e esquinas, reagiu, numa reação para valer. Nas ruas e em qualquer lugar ele enfrentava a qualquer um e dizia: “Não, não e não! O padre não é o que você está dizendo. Ele é bom. Ele é rezador. É um santo homem. É um pai que temos aqui entre nós. Vocês vão ver que de futuro ele vai ser um pai da pobreza deste lugar”. Ricos e pobres, todos os que abriam a boca contra o vigário, perto do Minguta, recebiam o troco na hora. Ele não era irritadiço e muito menos homem de briga, mas com bondade, suavidade e energia repelia todas as críticas gratuitas contra o padre. Até que, ao final, ele venceu.

Apesar de tudo isso, aconteceu que um dia o sacristão ingrato arrumou uma falsa calúnia em matéria de finanças... Mas, o padre Albino que nunca pisou em falso, reuniu o povo na igreja e a todos apresentou os documentos comprovantes das receitas e despesas e mandou que fossem examinados por quem que quisesse. Levou o sacristão à parede na frente de todos e passou uma boa ensaboada na cara de todos e a questão ou calúnia morreu antes de nascer.

Os trajes do Patriarca

Como já foi dito, os seus sapatos eram alpercatas de sua fabricação; seu terno era cueca, camisa e calça, com cinta de couro cru; se fazia faca na conta e cacete na mão, não sei.

Com essa indumentária era o homem da alta sociedade. Os ricos quando faziam festa de batizado, casamento e aniversário, faziam questão da presença do Minguta. E ele era social, sempre indo aos eventos. Naquela sua simplicidade e pureza de costumes era querido de todos. Reservado, prudente e observador, era comunicativo, alegre e jovial sem o menor exagero, mas suas vestes sempre eram as mesmas.

De uma feita houve em Taquaritinga, um casamento de um tal senhor Dr. Chiquinho. Este, como já era uma tradição chamar o Minguta, veio convidá-lo para o casamento.

- Minguta, eu vim hoje à sua casa especialmente para o convidar a ir e assistir ao meu casamento.

- Sim, senhor Doutor, eu irei com muito prazer, se Deus quiser.

- Mas... Minguta, você não ficará zangado se eu te disse uma coisa?

- Não senhor doutor. Pode dizer que coisa é essa. Quero ouvir.

- Olhe Minguta, vou mandar-lhe de presente um bom terno de casimira, um bom par de botinas de borzeguim com meias finas, uma boa gravata e colarinho. Quero ver você bem bonitinho nesse dia, sim?

- Sim senhor doutor, eu irei se Deus quiser.

Ele era esperto. Não disse que recusaria aquele belo fato, nas tão somente que iria. Naqueles tempos já havia a Estrada de Ferro Araraquarense que, quando corria jogava fagulhas na roupa da gente.

No dia e hora marcados lá estava o Minguta nos seus trajes de costume, sobraçando um bem confeccionado embrulho. Entrou para dentro da igreja na hora do casamento. Terminando este, acompanhou os demais convidados até a casa dos nubentes e, ali chegando, o Dr. Chiquinho, um tanto desapontado, aproximando-se do patriarca falou-lhe com voz submissa:

- Minguta, você não gostou do presente que eu lhe mandei?

- Gostei, doutor. Eu trouxe o presente, aqui está. Mas se o senhor não me quiser à mesa, já cumpri com minha obrigação. Fui à Igreja, acompanhei o seu casamento. Se não me quiser, voltarei a minha e casa e não ficarei zangado com o senhor.

Nestas alturas, o bom doutor mandou que o seu grande e venerável amigo sentasse à mesa com os demais.

Esse bom homem trabalhou arduamente e com vontade de ver um belo templo dentro em breve. Entretanto, pôde ver somente o início da construção, porque naquele ano de 1921 partiu desta para a outra vida, com a idade de 74 anos.

A leitura predileta

Minguta não passava um dia sem ler alguns capítulos das sagradas escrituras. Sobre ler, com atenção a palavra de Deus, procurava por em prática os santos ensinamentos de Deus. Era um verdadeiro apaixonado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Esse amor era notado por todos. Era impressionante ver a atitude e atenção durante todo o tempo da Santa Missa. O seu amor a Nosso Senhor Jesus Cristo era notado e comentado por grandes e pequenos. A sua leitura era bem desenvolvida e escrevia carta com certa facilidade.

O seu olhar firme e penetrante demonstrava um homem limpo de coração e uma alma bastante elevada. Não gostava de conversas vãs; detestava e repelia, sempre com delicadeza, as piadas ou conto de fatos poucos decentes. Não suportava ouvir falar mal do próximo. Quando alguém, talvez propositadamente, queria contar-lhe algo que desabonasse a fama do próximo, ele olhava firme para o interlocutor e dizia: “Ninguém tem competência ou direito de julgar suas intenções dos outros. Cada um sabe de si e Deus não anda dormindo. Quando eu morrer, vou prestar contas a meu Deus e ninguém me vem prestar contas de seus atos”.

Uma vez, em uma Semana Santa na freguesia de São João Batista de Ariranha, em quadro vivo ele foi convidado a fazer parte e escolher o papel que lhe fosse preferível. Ele aceitou e quis o papel de Cristo e deu ordem aos verdugos que não lhe poupassem o seu corpo. Queria sofrer de verdade algumas dores físicas como sofreu Jesus. Dessa vez o velho Minguta levou uma boa sova. Todos os que presenciaram esses atos em quadro vivo ficaram penalizados no mesmo ponto que edificados ao verem como sofreu gostosamente o Cristo daquela Semana Santa.

Proles

O casal Francisco Borges da Costa e Ana Flausina da Silva, pais de Minguta, teve 11 filhos: 8 homens e 3 mulheres.

O casal Domingos Borges da Costa (Minguta) e Maria José Gonçalves teve 8 filhos: 7 mulheres e 1 homem.

Motivo do livro

Em relação a justificativa da pesquisa e elaboração de seu livro, o Monsenhor Victor Rodrigues de Assis justificou que “(...) quis escrever o resumo da vida do virtuoso Domingos Borges da Costa (o Minguta) para mostrar a todo mundo o quanto vale e pode o amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. Um homem que não era rico; que não tinha cultura elevada; que se não vestia elegantemente; desprendido e sem pretensões; católico verdadeiro e fervoroso; que viveu amando e Jesus tornou-se um vulto eminente, na bela e grande cidade de Catanduva, no Estado de São Paulo, tornou-se um homem de evidência, porquanto existem ali uma Praça com o seu nome; um regato com o seu nome e uma bela estátua sua na Avenida Engenheiro José Nelson Machado, na cidade de Catanduva”.

Fotos:

Itamar Maurutto (foto), autor da estátua do Minguta, recebeu Medalha 14 de Abril, da Câmara Municipal de Catanduva em 20 de agosto de 2004. O projeto foi de autoria do então vereador José Ricardo Novelli, sob a presidência do vereador Marcos Antonio Crippa

 

Foto de Domingos Borges da Costa, o Minguta, figura popular e um dos primeiros moradores de nosso antigo povoado

Foto tirada durante o enterro de Domingos Borges de Costa, no ano de 1921, flagrada na frente da Igreja Matriz de São Domingos, localizada na rua Minas Gerais

Foto datada de 1º de janeiro de 1911 da antiga capelinha de São Domingos, quando Catanduva ainda se chamava Vila Adolpho, no local onde hoje se encontra a Igreja Matriz de São Domingos

 

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.