Dezembro Vermelho e o direito à doação de sangue por homens homossexuais e bissexuais

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no ano de 2020, que reconheceu a inconstitucionalidade das normas que impediam homens gays e bissexuais de doarem sangue, representou um marco na luta por igualdade e cidadania no Brasil. Este avanço jurídico não só fortalece os direitos fundamentais, como também evidencia o impacto de uma abordagem inclusiva no campo da saúde pública.

Historicamente, as restrições para a doação de sangue estavam ancoradas em flagrante preconceito. Nos anos 1980, durante o auge da epidemia de HIV/AIDS, homens homossexuais foram estigmatizados como grupo de risco, consolidando uma visão discriminatória. Entretanto, a ciência avançou significativamente, permitindo testes sorológicos mais precisos e a redução da chamada "janela imunológica".

Apesar disso, antes da decisão proferida pelo STF, ainda estavam em vigor a Portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e a Resolução RDC 34/14, da Anvisa, as quais impunham alguns critérios de seleção para possíveis doadores de sangue. Assim, era proibida a doação de sangue, dentre outros, de homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou das parceiras sexuais destes nos 12 meses antecedentes à triagem.

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.543 pelo STF corrigiu essa injustiça. Com base em argumentos constitucionais e bioéticos, a Corte concluiu que a discriminação contra homens gays e bissexuais, ao proibi-los de doar sangue, não se justificava cientificamente. A decisão foi respaldada na ideia de que critérios de triagem devem ser técnicos e universais, avaliando condutas específicas e não orientações sexuais.

Ademais, o STF incorporou a doutrina das "categorias suspeitas", um conceito que demanda maior rigor na análise de normas que possam discriminar grupos vulneráveis. Essa abordagem evidenciou que políticas restritivas, ainda que justificadas por razões de segurança, podem produzir impacto desproporcional sobre minorias, reforçando estigmas e exclusões.

Os efeitos dessa decisão vão além do campo jurídico. Ao permitir que todos, independentemente de sua orientação sexual, participem do ato altruísta de doar sangue, promove-se a solidariedade e o reconhecimento da diversidade. Contudo, o impacto social também reflete a mobilização de movimentos LGBTQIAP+, que pressionaram pela mudança e destacaram a importância da cidadania ativa.

Este texto, conduzido no contexto de um projeto extensionista voltado à análise dos direitos da população LGBTI+, ilustra como o diálogo entre ciência, direito e sociedade é essencial para desmantelar preconceitos e ampliar direitos. A conquista, embora significativa, lembra que a luta pela equidade permanece um desafio contínuo no Brasil.

 

Caio Nunes Brizzotti. Graduando em Direito/Unifipa. Membro do Projeto de Extensão Direito e Sexualidade. Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Márcia Maria Menin. Mestre em Direito Civil (USP) e docente do Curso de Direito/Unifipa. Coordenadora e orientadora do Projeto de Extensão Direito e Sexualidade.

Autor

Direito e Cidadania
Coluna mensal do Projeto de Extensão Universitária do Curso de Direito da Unifipa Catanduva