Deus salve o Brasil...

Charles III foi coroado no último sábado. Foi uma cerimônia que, apesar de enxuta se comparada ao fausto das celebrações anteriores, invocou centelhas da tradição taumatúrgica da realeza inglesa. De fato, os povos do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte (sem contar as outras dezenas de nações das quais Charles também é o chefe de estado, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia) podem comemorar a estabilidade de sua forma de governo, que durante séculos tem feito sua sociedade prosperar sem grandes traumas e solavancos.

Mas, algo me incomodou. Certamente não foram os republicanos britânicos, cujos berros minoritários de “Não é meu rei!” (até parece plaquinha de manifestação tupiniquim, não é?) foram abafados pelos clarins dos arautos e pelos brados de “Deus salve o rei!” da maioria. Nada disto. O Reino Unido é uma das mais antigas democracias do mundo e os partidários da república podem fazer seu legítimo trabalho de oposição ao status quo. O que me incomodou, e incomoda, é a contumaz verborragia do brasileiro médio nas redes sociais. Comentários ferinos, ácidos, ignorantes e, que pena!, muito mal-educados.

Afinal de contas, quem é o brasileiro na fila do pão do concerto das nações para apontar seu dedo mindinho para o cetro milenar daquela monarquia? Nós, que fizemos a paradigmática escolha Barrabás versus Jesus Cristo, enxotando Dom Pedro II, o chefe de estado mais culto e preparado do século XIX, para colocar em seu lugar um bando de militares cabeças-ocas e bandidos civis cabeças-quadradas. Nós, que sustentamos milhares de dinastias de sangue vermelho, do Iapoque ao Chuí, comedoras e flatuladoras de brioches e de tudo que é banquete pago pelo erário. Nós, que somos chicoteados por uma burocracia piramidalmente faraônica, pequeno-burguesa nas ideias mas aristocrática no sadismo. Nós, que rimos das reverências feitas à Majestade Real de um povo livre e soberano enquanto beijamos servilmente os culos e os calos das baixezas mais plebeias que nos escravizam desde o trono dos Três Poderes.

Um dos benefícios da monarquia, justamente porquê “o rei reina, mas não governa”, é impedir que o primeiro lugar do estado seja ocupado por políticos carreiristas. O brasileiro ignorante supõe que um monarca não serve para nada além de acenar, passear de carruagem e fazer uma espécie de “diplomacia de luxo” tão somente por este não possuir poder político direto. Ora, é para isto mesmo que serve um rei constitucional: para criar uma barreira natural entre o poder e os sedentos pelo poder. É mais “arquia” (governo, gestão) e menos “cracia” (poder, mando).

Eis o fato: há 133 anos somos uma república das bananas. Aqui na Terra Brasilis já se somam dezenas e mais dezenas de golpes de estado, ditaduras, pseudo-revoluções e pseudo-contrarrevoluções, governos autoritários às pencas, impeachments, deposições, assassinatos, guerras civis, escândalos e corrupções sem fim, etc, etc, etc. Tudo por uma faixa presidencial tão feia quanto desproporcional, mas que concede poderes de ditador absoluto, ainda que sazonal pelo mandato, ao psicopata da vez. Lá, na Antiga Albion, do rei Arthur ao rei Charles, ao menos uma elegante coroa de 2,23 quilos de ouro mantém as coisas mais ou menos no lugar.

Enquanto os súditos de Charles III podem cantar alegres o seu “God save the King!”, nós brasileiros deveríamos chorar desesperadamente, rogando: Deus salve o Brasil...

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor