Deserto de notícias

Quando Gutenberg inventou a impressão em larga escala, talvez não soubesse onde tudo aquilo ia parar. Além de popularizar a Bíblia (um dos elementos que contribuíram para a Reforma Protestante de Lutero), possibilitou a publicação dos primeiros jornais periódicos, por volta de 1650, na Suécia, Alemanha e Holanda, com tiragem média de 200 exemplares.

Fui pesquisar o assunto por conta de um estudo muito interessante publicado pelo Atlas da Notícia. Participaram 22 escolas de jornalismo e várias entidades dedicadas ao jornalismo.

A maior parte dos municípios brasileiros, 62,6% do total (3487 em 5570) são “desertos de notícias”, não possuem um veículo local de imprensa para informar a população sobre o que ocorre na cidade. Isso inclui jornais e emissoras de rádio. Corresponde a 37,4 milhões de habitantes. As maiores proporções estão no Nordeste (73,5%) e Norte (71,8% dos municípios). Quatro estados têm proporções assustadoras. São eles Tocantins (89,2%), Rio Grande do Norte (85,6%), Piauí (83%) e Paraíba (81,6%).

Há ainda os “quase desertos” de notícias, 19,2% dos municípios (1069 em 5570) que só possuem apenas um ou dois veículos jornalísticos. Vivem nestas cidades 27,5 milhões de habitantes. Se juntarmos as duas situações, temos apenas 18,2% dos municípios brasileiros (1014 em 5570) com nenhuma ou quase nenhuma fonte de notícias local.

É preocupante perceber que 31% da população brasileira, algo em torno de 65 milhões de pessoas, vão para as eleições do ano que vem mal informadas sobre o que ocorre em suas cidades. Um prato cheio para boatos e notícias falsas veiculadas pelo Whatsapp. As eleições de 2018 e 2022 assustaram a todos os estudiosos do assunto. Descobriu-se que algo existente desde sempre, a boataria eleitoral, assumia novo formato, agora de modo digital, atingindo milhões de pessoas em pouco tempo e organizada em grupos que só existem para difundir nas redes sociais e insociáveis conteúdos maliciosos e inverídicos sobre políticos adversários. Uma verdadeira baixaria eletrônica. O pior é que este tipo de manobra encontrou uma grande aceitação em parcela expressiva do eleitorado, ainda suscetível a este tipo de informação.

Se tivesse que escolher os quatro cavaleiros do apocalipse da era moderna, certamente um deles seria a falta de informação. Fui alfabetizado lendo as manchetes do Estadão para os meus pais. Além dele, cresci lendo o Jornal da Região de Andradina. Leio vários jornais todos os dias. Questão de credibilidade. Acompanho regularmente na internet quatro sites de notícias que considero confiáveis. Eu não seria quem sou se não tivesse estes hábitos. Podemos (e devemos) analisar criticamente o trabalho da imprensa. Mas ela ainda é um dos pilares de qualquer nação que almeje a democracia.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.