Déjà-vu*

“A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.” 

António Lobo Antunes (escritor e psiquiatra português) 

 

Há uma semana divulgávamos em nosso artigo semanal, a importância da 1ª Virada Cultural Catanduvense que acontece hoje (dia 3) e amanhã (dia 4), como também relembrávamos o artigo 215 da Constituição Federal afirmando que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. 

Após alguns dias, a classe artística e a cultural nacional foi atacada, de novo, em seu mais legítimo direito, através de medidas do atual governo federal, ferindo o que nos é devido. 

Atendendo ao pedido do presidente da Câmara dos Deputados, com o objetivo de liberar mais recursos para o chamado orçamento secreto, o presidente adotou medidas provisórias para adiar pagamentos de benefícios ao setor cultural e limitar gastos do fundo de ciência e tecnologia. 

Pela Lei Paulo Gustavo, a União ficou obrigada a repassar R$ 3.862 bilhões aos Estados e aos municípios para ações voltadas ao setor. A medida provisória joga esse prazo para 2023, autorizando ainda que o repasse se estenda para 2024, caso não seja executado integralmente em 2023. Em outra medida provisória, o presidente Jair Bolsonaro limita o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e abre espaço no orçamento entre 2022 e 2026 para outras despesas. 

O governo federal também propôs excluir a Condecine, contribuição que financia o setor cinematográfico brasileiro, do plano orçamentário 2023. É da Condecine que vem quase todo o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual, operado pela Ancine. Sua não arrecadação põe em xeque o cinema nacional. 

Trocando em miúdos, o dinheiro – já definido e reservado ao setor audiovisual – pode ser desviado para outros fins. Mais uma vez, a cultura à mercê do poder político, incapaz de compreender sua grande importância para a sociedade, pois que é uma constatação: um país necessita da cultura para sobreviver e se engrandecer, lançando-se para o mundo com uma luz de progresso humano e social. 

Por que essa obsessão em destruir a cultura? Por isso a frase de António Lobo Antunes: “A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.” 

Nós, fazedores de cultura, já nos acostumamos com a ignorância reinante dos que questionam: “esses artistas precisam de dinheiro para quê?” ou “dinheiro para a cultura? Por que esses artistas não vão trabalhar?, entre outras, nascidas do arroubo da indiferença de parte da sociedade.  

A cultura também é um setor da sociedade civil, como a educação, a ciência e a saúde. Todos esses setores são primordiais para o desenvolvimento de uma nação. Renegar o direito a qualquer um deles, é quebrar um elo da corrente, da estrutura organizacional que sustenta um povo. 

As salas de teatro, os espaços culturais em geral, as salas de aula, os laboratórios de pesquisa, não podem se esvaziar em funções de atitudes como essas que visam destruir nossa cultura, nossa ciência, nossa educação, tirando do povo o direito ao acesso garantido pela Constituição Federal. 

Há, felizmente, cabeças que pensam e mãos que agem para revogar essas ações governamentais, lutando para que a cultura seja atendida em suas necessidades e direitos. 

No entanto, é preciso estar sempre alerta contra essas atuações dos que temem a Cultura e seu poder de transformar e libertar o homem de toda e qualquer escravização intelectual e ideológica. 

 

Em tempo: hoje temos inúmeras atrações no Parque dos Ipês e, amanhã, dia 4, às 10h30, a Cia da Casa Amarela apresentará no Teatro Municipal Aniz Pachá, a premiada e reconhecida peça teatral 'Candim', sobre Cândido Portinari, para toda a família.  

*Déjà-vu: impressão ou sensação intensa de já ter vivido no passado uma situação atual.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.