Decifra-me ou te devoro

Até 95 anos atrás, uma pessoa que adquirisse uma infecção teria uma grande chance de morrer. A Penicilina não existia. A ciência não era tão avançada como é hoje. As mudanças eram bem mais lentas e geralmente, à conta-gotas. Boa parte das vezes, como no caso da Penicilina, as descobertas eram fortuitas e acidentais.

Lembro-me sempre desta circunstância quando dá tempo para refletir sobre a educação moderna. Existe uma frase clichê que diz: “as escolas estão situadas no século 19, os professores no século 20 e os alunos no século 21”. Os enunciados quanto às escolas e professores talvez ainda valham alguma coisa. Existem dúvidas sobre onde e quando situar os alunos. A minha sensação e a de muitos educadores é a de que lidar com jovens é como se precisasse descobrir a Penicilina todos os dias, na maioria das vezes, de forma acidental, pelo método observacional e reflexivo.

Não apelarei aqui para outro velho clichê, o do “conflito de gerações”. É um pecado literário lançar mão dos clichês para escrever um artigo. Pior do que isso é quando nem o próprio clichê é suficiente para expressar alguma noção de sabedoria. Explico: a diferença entre a minha geração e a geração anterior não era tão acentuada. Existiam diferenças importantes, mas não tão agudas. As gerações duravam em média entre 30 e 50 anos. Dirijo uma escola médica há onze anos. Eu já ia escrever aqui que há uma diferença marcante entre as primeiras turmas e a atual geração de estudantes de medicina. Mas a duração de uma geração mudou bastante. Há diferenças marcantes entre os grupos de três a cinco anos atrás para o atual grupo de ingressantes.

A evolução do pensamento e da cultura acompanha a evolução tecnológica. Os nativos digitais preferem assistir 30 horas de vídeos sobre hipertensão arterial a ler um texto de dez páginas sobre o mesmo assunto. Os resultados das avaliações deste segmento são semelhantes aos dos alunos que “só” estudam pelos livros. Obviamente que não podemos classificar os estudantes só por esta métrica. Surgiram novas formas de aprender e de se manifestar. Existe uma distância grande entre a minha e as novas gerações. A realidade é que não dá mais para pensar num “meio termo”. Eles não virão até a suposta metade do caminho. Para termos alguma chance de sucesso, nós teremos que adentrar no mundo deles e tentar entendê-los.

Na mitologia grega, a esfinge era um ser que trazia morte e destruição por onde passava. Dizia a todos a quem encontrasse: “Decifra-me ou te devoro”. Vivemos situação parecida. Os estudantes são a nova esfinge. Decifrar como funcionam as novas gerações será o grande enigma dos educadores. Insistir em fórmulas surradas que supostamente sempre deram certo é a maneira mais rápida para ser devorado. Dá para fazer melhor do que isso!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.