David e os ‘Golias’

“Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.”

ALBERT EINSTEIN

Físico teórico alemão (1879-1955)

No livro de Samuel, no Velho Testamento, encontramos o povo filisteu que queria ocupar as terras de Israel. O gigante filisteu Golias, há 40 dias, desafiava o povo pois sabia que jamais seria derrotado em batalha, devido sua força. Eis que David, um pequeno menino, colhendo cinco pedrinhas no rio acertou o gigante com apenas uma tacada, vencendo-o com seu estilingue. A história clássica e emblemática de um jovem corajoso que libertou o povo, sem medo de enfrentar alguém muito mais forte e poderoso, tornou-se um referencial para que cada um de nós, criaturas muitas vezes menosprezadas ou vítimas de toda sorte de preconceitos e perseguições, encontremos forças para enfrentar com inteligência e talento o que parece invencível.

A velha história bíblica inspirou o grande escultor italiano Michelangelo Buonarroti a criar uma das estátuas mais conhecidas e emblemáticas da arte renascentista: David, uma escultura em mármore com 5,17 metros de altura e que está em exposição na Academia de Belas Artes, em Florença, na Itália. Esculpida entre os anos 1501 e 1504, no século XVI, passou a ser um símbolo das Belas Artes e uma inspiração para as gerações seguintes.

E não que é em pleno século XXI, ou seja, passados mais de 500 anos, a mostra de uma foto da estátua a alunos da 6ª série na Flórida, Estados Unidos, causou furor de três pais que consideram a obra “pornográfica”, o que resultou na demissão forçada da diretora Hope Carrasquilla.

Como ensinar sobre a Arte Renascentista sem mencionar “David”, de Michelangelo?

Realmente, uma “triste época” como afirmou Eisntein e olhem que ele disse isso há décadas! Sim, é mais fácil desintegrar um átomo do que vencer o radicalismo, o fundamentalismo religioso, o preconceito e a ignorância que imperam em uma parcela da sociedade e esse é um mal planetário.

É preciso dar um basta nessa situação que impera de maneira corrosiva em espaços culturais e nas escolas porque grupos incapazes de entenderem a vida através da história e da filosofia, ou seja do conhecimento, estão levantando seus rugidos e vomitando seus preconceitos através de discursos inflamados de falso moralismo.

Até nós já fomos vítimas desse comportamento arbitrário e medieval que tenta nos fincar o pensamento humano em eras distantes marcadas pela ignorância e pelas trevas.

Houve uma consequência positiva para a ex-diretora Hope Carrasquilla e seus alunos que foram convidados a conhecerem pessoalmente a estátua, na Itália, por Cecillie Hollberg, diretora da Academia de Artes. Cecillie ficou indignada com o fato ocorrido na escola devido a atitude dos pais. Ignorância em relação à arte, à própria história bíblica e sobre os efeitos da cultura na formação das crianças e de qualquer indivíduo, independentemente da idade.

Em seu twitter pessoal, o prefeito de Florença, Dario Nardella, comentou “confundir arte com pornografia é simplesmente ridículo. Arte é civilização e quem a ensina merece respeito”. Ele também convidou a Hope e alunos a conhecerem a estátua de David.

Até quando estaremos sujeitos a essa perseguição fundamentalista que, paradoxalmente, clama por “liberdade de expressão”? Vendo esse retrocesso cultural percebemos que ainda somos escravos da ignorância e por muito tempo ainda estaremos caminhando nas sombras se não tivermos a coragem de um pequeno David. Enfrentar os “Golias” que se acham imbatíveis é nosso dever. Porém, nosso “estilingue” é o conhecimento! Arte, talento, criatividade, cultura, expressão e sensibilidade sempre serão “armas” a expandirem consciências!

Oscar Wilde¹ escreveu que “se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração” e é assim que provocamos o renascimento de uma sociedade mais livre, consciente, sensível, iluminada e totalmente despojada de preconceitos.

 

¹Oscar Wilde foi um influente escritor, poeta e dramaturgo irlandês, nascido em Dublin, em 16 de outubro de 1854. Faleceu em Paris, França, em 30 de novembro de 1900)

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.