Curto-circuito emocional: surto ou sintoma?

Correria, gritaria.  26 estudantes relatam, ao mesmo tempo, que estão com o coração acelerado, sudorese e dificuldade de respirar. Todos aos prantos. Alguns chegam a desmaiar. O serviço médico é acionado. Diagnóstico: crise de ansiedade coletiva. 

O caso, que aconteceu no Recife, me chamou a atenção, não só porque sou pai de dois estudantes, mas também por estar na posição de liderar muitas pessoas. 

Ninguém soube dizer, ao certo, o que motivou o surto. 

Fato é que a semana é de provas, portanto, de pressão. 

Alguns chegaram a dizer que foi estratégia da garotada para que as provas fossem suspensas. 

Será? 

Até antes da pandemia, estávamos acostumados a ver os alunos lidarem com a pressão das provas de duas formas: seguindo as regras - estudando - ou burlando as regras - colando. 

Simples assim. 

Por que surtariam agora? Com tal atitude, o problema só foi postergado, porque as provas terão que ser feitas. 

Não foi golpe...é a pandemia! 

Ainda ouviremos muitas coisas do tipo: com tanto tempo isolados, crianças e adolescentes estão menos resistentes às cobranças, menos tolerantes às frustrações, mas sensíveis, mais agressivos... 

Constatações à parte, acredito que estamos todos, guardado o devido nível de maturidade, repensando o que faz sentido. 

Podemos alegar que o isolamento piorou nosso comportamento, mas prefiro defender a tese de que saímos mais conscientes da enorme crise que enfrentamos. 

Os estudantes das escolas surtaram porque não estão conseguindo lidar com a pressão e com a ressocialização ou por que não estão conseguindo lidar com coisas que não fazem mais sentido? 

Faz sentido a escola operar nos mesmos moldes de um século atrás? 

Faz sentido a cobrança de memorização de conteúdo que está acessível na palma da mão? 

Esse não é um manifesto contra a escola, mas uma reflexão sobre o que não funciona mais diante da mudança gigantesca que vivemos. 

Se levarmos essa reflexão para o ambiente corporativo, também iremos identificar o que acreditamos ser um surto coletivo. 

Em janeiro, o Brasil registrou número recorde de pedidos de demissões. Meio milhão de pessoas deixaram seus empregos. Nos Estados Unidos, esse movimento acontece desde o segundo semestre do ano passado. Na China, cada vez mais jovens estão deixando seus empregos e aderindo ao movimento tang ping, que prega a desaceleração na vida. 

Tempo! Parece que, finalmente, as pessoas estão identificando o valor desse ativo. 

Para quem vou vender meu tempo? Para que vou vender meu tempo? Por quanto? 

O Índice de Tendências de Trabalho 2022, da Microsoft, mostra que 71% dos brasileiros estão mais propensos a priorizar a saúde sobre a carreira e 47% têm maior tendência de colocar a vida familiar e pessoal antes do trabalho.  

Em uma era de desejo e consumo desenfreados, escolher ter menos renda poderia soar como um grande surto! 

O mundo mudou. Nada está normal. Pena de quem acredita que isso não passa de um surto. 

 

Lúcio Júnior 

CEO do Open Mind Brazil

Autor

Colaboradores
Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.