Curandeirismo e Charlatanismo

Analisando uma série de anúncios antigos, publicados em jornais de Catanduva em anos remotos, fica evidente a grande quantidade de propagandas relacionada à saúde: médicos, medicamentos, clínicas e hospitais, e, além disso, anúncios de pessoas não formadas, como parteiras e curandeiras, que eram muito estimados entre a população local.

Como forma de combater algumas práticas não científicas e que, em alguns casos, poderia comprometer a saúde e a vida do paciente, era muito comum encontrar, nesses mesmos jornais, orientações da classe médica alertando para os perigos e pedindo a não utilização dos serviços dessas pessoas.

Um exemplo disso pode ser encontrado no jornal A Cidade, de 1º de abril de 1931, em um anúncio do Sindicato dos Médicos criticando essa prática, chamando-as de “(...) grosseiras práticas médicas, espiritismo, manifestações do espírito inferior ao homem”, argumentando que “(...) os tempos de ignorância em seduzir-se pelo mistério do misticismo religioso já se tinham ido”.

Essa questão do curandeirismo sempre despertou reações opostas na sociedade. De um lado, tínhamos adeptos que defendiam tais práticas, mesmo não sendo consideradas científicas; por outro lado, encontramos grande classe, principalmente de médicos, que lutavam diariamente contra tais práticas, consideradas, para eles, ilegais e prejudiciais.

Curandeirismo no Brasil

De acordo com o trabalho Instituições de Saúde em Catanduva – Uma Abordagem Histórica, de autoria de Renata Fabiana Sanches, “(...) a prática de curandeirismo vem ocorrendo desde o Brasil Imperial”, e cita a obra de Gláucia Regina Silveira.

De acordo com esta pesquisadora, “(...) em 1835, a Regência ofereceu à sociedade sua transformação em Academia Imperial de Medicina. Ela passou então a trabalhar no sentido de impor a figura do médico à população como o único capaz de curar, bem como estabelecer uma ruptura entre a categoria médica e a dos denominados charlatães, que possuíam a preferência do público”.

Porém, essa oposição da classe médica ao que eles chamavam de “charlatães” não foi totalmente pacífica, já que muitos curandeiros e “charlatães” fizeram frente à nova categoria médica que se organizava, tendo sido, inclusive, empreendida uma “Cruzada Anti-Charlatanismo”, bastante acentuada no final do século XIX, mas que havia tido início várias décadas antes.

Publicações

E esse combate contra tudo aquilo que não era considerado científico, dentro da medicina legal, se refletia muito nos anúncios de jornais catanduvenses da época, cada vez mais alertando a população em não utilizar esse tipo de serviço, inclusive os de parteiras.

Sobre as parteiras, no mesmo trabalho já citado, encontra-se uma entrevista do Dr. Alberto Lahós de Carvalho. Sobre os anúncios a respeito da não utilização de parteiras em tempos passados, argumenta que “(...) é porque a parteira não tinha formação nenhuma, ela tinha só a prática, mais nada. Agora havia algumas parteiras curiosas que eram terríveis (Dr. Lahós chamava de “curiosas” aquelas parteiras que não tinham nenhuma noção e, mesmo assim, queriam realizar os procedimentos). Inclusive tinha uma aqui na rua Goiás que fazia aborto direto. Atendiam nas casas delas mesmo. Não havia uma tentativa de fiscalização, uma normatização, não existia nada disso, na época não existia. Esse tipo de prática foi acabando porque o cerco foi apertando, começou a fiscalização direta. Elas começaram a serem punidas e proibidas de fazerem isso. Depois disso, aí então melhorou bastante. E quem fiscalizava era o Estado, Oficial do Estado, o Centro de Saúde do Estado de São Paulo. Aí a coisa mudou mesmo”.

Parteiras competentes

Enquanto de um lado, a ordem médica utilizava os anúncios dos jornais para fazerem oposição contra a prática das parteiras, estas também utilizavam os mesmos anúncios para mostrar que tinham qualidades importantes. Era comum encontrar nos anúncios dessas parteiras citações como “Parteira Diplomada”, “Enfermeira Especializada”, “(...) com prática na Maternidade da Faculdade de Medicina de São Paulo”, entre outros.

Vale destacar, também, que mesmo com todo esse discurso médico contra a utilização das parteiras e dos chamados “charlatães”, essas categorias eram muito bem aceitas entre a população mais antiga, que confiava, em alguns casos, cegamente nessa classe.

Artigo publicado no jornal A Cidade, em 1º de abril de 1931, do Sindicato Médico, com o intuito de informar à população que deixasse usar práticas médicas que não fossem consideradas científicas.

Syndicato Medico

Combate ao Curandeirismo

A 1º de Maio futuro, reunir-se-á nesta cidade, na séde da Associação dos Empregados no Commercio, os medicos dessa cidade e arredores, com o intuito de estudar e propor medidas de franco combate ao charlatanismo e curandeirismo, um dos males que infetam o município. As grosseiras práticas medicas, somam-se à magia, o espiritismo e outras manifestações do espirito inferior do homem, disseminando-as e intervindo na vida da colletividade, abusivas práticas que nossa lei cohibe, mas a longanimidade brasileira perdoa sempre. A ignorância sempre teve a seducção do mysterio, fructo do mysticismo religioso, cujo predomínio na mentalidade humana, na arte de curar é retrocesso aos primitivos tempos, onde cada entidade morbida, tinha como causa o castigo de um deus, raivosos pelas desconsiderações terrenas, despedindo fachos de cólera, com que avassala o povo da terra. Mas foram-se os tempos: a instrucção entrou no domínio dos espíritos – por toda a parte com as acquisições modernas e instrumentos de disseminação de conhecimentos humanos, não de hoje quasi segredo pra aquilo que outrora era considerado mysterio no domínio do sentimento religioso, que não deve interferir na prática da medicina para arrancar as dores humanas, restituindo ao homem seu estado de saúde (...)

Fontes:

- Jornal A Cidade, de 1º de abril de 1931.

- Monografia Instituições de Saúde em Catanduva – Uma abordagem histórica, de autoria de Renata Fabiana Sanches, apresentada ao Departamento de História do Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva, em 2006.

- Livro Utopia e Cura – A Homeopatia no Brasil Imperial (1840-1854), de Gláucia Regina Silveira, publicado em 1997.

Fotos:

As parteiras tiveram grande papel dentro da história da Humanidade, pois desde os tempos mais remotos, suas práticas já eram conhecidas em várias sociedades. Neste desenho, mulher auxiliada por parteira em 1515

A prática do curandeirismo ganhou grande espaço no Brasil, principalmente pelos costumes trazidos pelos negros africanos. Já no Período Regencial, as autoridades lutavam pela erradicação de tais costumes e pela legitimação da medicina científica

Não era somente em Catanduva que é possível encontrar inúmeros anúncios em jornais oferecendo serviços de parteiras. Como exemplo disso, a foto acima retrata um anúncio do jornal A Tribuna, com circulação na cidade de Santos – SP, no ano de 1938

O primeiro hospital de Catanduva foi a Casa de Saúde Dr. Giuseppe Záccaro, que existiu entre os anos de 1920 e 1980, localizado na esquina das ruas Espírito Santo com Goiás, onde hoje se encontra o Edifício Bahamas. Esta foto foi tirada no ano de 1924

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.