Cruz e Sousa, o porta-voz da consciência negra
Cruz e Sousa, catarinense, filho de escravo e influenciado por Castro Alves, iniciou o Simbolismo no Brasil (1893), com a publicação de “Missal” e “Broquéis”, por meio de duas atuações identitárias: defensor dos escravos e simbolista-marginal. Na época, o poeta Cruz e Sousa manifestou uma poética calcada no erotismo, excentrismo e anomalia. Logo o encantamento lírico está em não se atentar ao significado das palavras, mas à recriação delas – estética inovadora: o poeta excêntrico, por ser afrodescendente.
O poema “Acrobata da Dor” (1893) revela-se no topos da figura do palhaço, enquanto metáfora degradante: o riso diante do público, para mascarar intensa dor – “Gargalhada, ri, num riso de tormenta, como um palhaço”. A poesia de Cruz e Sousa é preocupada com a marginalidade, vendo sempre as formas de exclusão. Nota-se que o palhaço é o próprio poeta, porquanto a poesia é produto do desdobramento da sensibilidade. A ironia entre o riso e o tormento, que culmina na ideia de morte – “E embora caias sobre o chão, fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente, ri! Coração, tristíssimo palhaço”. O artista que vive a bufomania e o desprezo social.
Já no poema “Múmia” (1893), o poeta abordou o relacionamento íntimo com uma mulher, que se transformou em abismo, pelo lado superficial da perdição, ou seja, o eu lírico quis sair da matéria – “Múmia de sangue e lama e terra e treva, podridão feita deusa de granito, que surges dos mistérios do Infinito”. A imagem feminina surgiu na concepção do esvaziamento (a morte como mulher), visto que a alegoria da sexualidade reprimida apareceu e explodiu (o beijo é a sentença de morte) – “uivos tremendos com luxúria e cio...”. Diante da impossibilidade erótica, Cruz e Sousa se viu oprimido e objetivou transcender a religião, a sociedade etc.
Os poemas cruzianos tematizaram os extremos. Em “Emparedado” (1898), houve a questão da condição social, a marginalização (discriminação) – “todos os empirismos preconceituosos”. A ciência e a religião criticavam a figura do negro, ao reler a passagem bíblica de Cão, filho de Noé. Cruz e Sousa expôs uma angústia, em razão de não haver lugar no Céu e na Terra (sentimento de impossibilidade). O poeta denunciou quatro paredes, em forma de “cruz”: impotência (não se impôs), rejeição (preconceito social), ignorância (volta ao passado) e crítica (negação da ciência e religião).
Cruz Sousa, sem dúvida, foi um artista, às margens da sociedade brasileira do século XIX. O poeta utilizou a temática erótica, a fim de associá-la ao anseio e às impossibilidades, isto é, perdição, vazio e ausência. O grito, como forma irracional, atuou no objetivo de o escritor ser porta-voz da consciência negra. Reler os poemas cruzianos é libertar as possibilidades de negarmos o passado e revolucionarmos presente e futuro inclusivos.
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