Crime do restaurante chinês – Parte 2

(continuação). O acusado foi submetido a exames, em uma época na qual se utilizavam técnicas da escola positivista, como a perícia "antropopsiquiátrica", com análise do corpo e traços que indicariam se o ex-funcionário do Órion teria inclinação à prática de crimes. Arias negara seu envolvimento no crime, mas mudou a versão e confessou que esteve no estabelecimento no dia dos assassinatos. Em um primeiro momento, apontou Maneco como culpado, mas o Manoel tinha um álibi consistente. Assim, Arias acabou confessando a autoria. O movimento Frente Negra Brasileira contratou o advogado Paulo Lauro para defender o acusado. Foi o primeiro caso de renome do advogado, formado pela Faculdade de Direito da USP e que, futuramente, tornar-se-ia deputado Federal e prefeito da capital paulista. A defesa do caso foi pautada na alegação de inconsistência das provas, da relatividade dos testes realizados e da imprestabilidade da confissão. Em 31 de janeiro de 1939, no Tribunal do Júri do Palácio da Justiça, foi iniciado o julgamento. O júri foi presidido por Paulo de Oliveira Costa, magistrado que hoje dá nome ao Salão do Júri do Palácio. Por maioria de 4 a 3, em razão da insuficiência de provas, Arias foi declarado inocente. Entretanto, o MP recorreu da decisão e, em junho de 1940, a 1ª câmara do TJ/SP acolheu as alegações de nulidade do parquet. Segundo o acórdão, a regra que assegurava o direito do promotor, defesa e jurados de inquirirem testemunhas havia sido desrespeitada. Além disso, o tribunal entendeu que os esclarecimentos dos peritos não tinham sido transcritos, de modo que a falta impediria uma sentença justa. Em 09 de setembro de 1940, ocorreu o segundo júri, conduzido pelo mesmo magistrado. Novamente, Arias foi absolvido por 4 a 3. O MP novamente interpôs recurso. Em 27 de agosto de 1942, três desembargadores da 2ª câmara Criminal do Tribunal de Apelação se reuniram para julgá-lo. Ao final, dois desembargadores votaram pela absolvição e um pela condenação. Na época, o Código Penal permitia que o Tribunal absolvesse ou condenasse o réu quando considerasse que a decisão dos jurados não encontrava apoio nas provas dos autos. Atualmente, esse tipo de decisão não é possível. O máximo que o tribunal pode fazer é anular o julgamento e encaminhar o caso para novo júri, ou, eventualmente, modificar a pena aplicada. De acordo com Boris Fausto, historiador e autor do livro "O Crime do Restaurante Chinês", a percepção pública da imagem de "monstro" do réu foi alterada no período entre sua prisão e o julgamento. Para o escritor, na época, a realização da Copa do Mundo de 1938 fez com que o noticiário apontasse semelhança física entre Arias e o grande ídolo do futebol, Leônidas da Silva, suavizando a imagem do acusado. Após a tripla absolvição, Arias assinou uma petição, em 1943, solicitando a devolução de sua CNH. Essa é a última peça do processo, hoje em exposição no Museu do TJ/SP, em São Paulo/SP, e indica que Arias conseguira o desejado emprego de motorista particular. N.R. Hoje se apreende a CNH até por não pagar dívidas!

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/394610/crime-do-restaurante-chines-suscitou-debate-sobre-racismo-em-1938

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.