Crime do restaurante chinês – Parte 1

O “Crime do restaurante chinês”, como ficou conhecido, suscitou debate sobre racismo em 1938. Acusado de assassinato, Arias de Oliveira foi comparado a "monstro" e jornais fizeram referência a sua cor da pele. Em 1938, um homem negro foi acusado de ser o autor de uma chacina que matou quatro pessoas dentro do restaurante chinês Órion, em São Paulo, capital. À época, os jornais chamaram o suspeito de "monstro" e fizeram referência a sua aparência, à cor da sua pele e ao porte físico, considerando que ele tinha "o vigor necessário para cometer o crime". Em três oportunidades, sendo duas delas perante o Tribunal do Júri, Arias de Oliveira foi absolvido dos quatro homicídios. O processo deu visibilidade à temática do preconceito racial. Era 02 de março de 1938, uma quarta-feira de Cinzas, quando o lituano Pedro Adukas, cozinheiro do restaurante chinês Órion, chegou ao trabalho, bateu palmas no portão, mas não foi recebido. Eis que notou o cadeado aberto e resolveu entrar no estabelecimento. Para sua surpresa, encontrou no salão do restaurante seus dois companheiros de trabalho, o também lituano José Kulikevicius e o brasileiro Severino Lindolfo Rocha, mortos no chão do salão, com os rostos desfigurados e envoltos em poças de sangue. Encaminhou-se para os fundos do estabelecimento, onde encontrou seu patrão, o chinês Ho-Fung, também assassinado. Pedro decidiu subir até o segundo piso, local de residência do patrão. Lá encontrou a esposa de Ho-Fung, Maria Akiau, também morta. Em um cenário com quatro homicídios, o cozinheiro acionou a polícia da capital paulista. No curso das investigações, a polícia concluiu que os funcionários foram atacados enquanto dormiam sobre as mesas do restaurante e o assassino usara como instrumento um pilão de madeira de 70 cm, deixado no local do crime. Ho-Fung havia sido golpeado na cabeça e tinha um laço de algodão apertado no pescoço; sua mulher foi assassinada por esganadura. A polícia também constatou que o cofre do restaurante não foi roubado. Fundador do restaurante Órion, localizado à Rua Venceslau Braz, 13, próximo à Praça da Sé, Ho-Fung chegou ao Brasil em 1926. Ele encontrou emprego em um restaurante pertencente a João Akiau Ching, o qual, posteriormente, tornar-se-ia seu cunhado. Ho-Fung casou-se com Maria Akiau, irmã de João, em 1933. No mesmo ano do casamento, a mãe de Maria faleceu. Com o dinheiro da herança, o casal abriu o restaurante Órion, muito frequentado por advogados, já que próximo ao Palácio da Justiça, sede do TJ/SP. O primeiro apontado como suspeito foi o irmão de Maria, João Akiau, por supostamente invejar a prosperidade do cunhado. Ho Det Men, que veio da China com Ho-Fung, também foi indicado como suspeito, pois foi visto nas redondezas do restaurante. No entanto, uma denúncia mudaria o rumo da investigação. Um garçom do restaurante, Manoel Custódio, conhecido como Maneco, em seu terceiro depoimento à polícia, apontou Arias de Oliveira, um ex-funcionário do Órion, como suspeito. Arias trabalhara no local durante 16 dias e havia pedido demissão na sexta-feira antes do Carnaval. Segundo Maneco, o ex-funcionário voltara ao restaurante na terça-feira para pedir o emprego de volta e no mesmo dia cometera os crimes. Arias nasceu em Franca/SP, nunca conheceu o pai e foi abandonado pela mãe aos 10 anos, tendo sido criado pelo tio. Em 1937, aos 24 anos, migrou para São Paulo/SP, com a intenção de ser motorista particular, mas só encontrou empregos temporários, como o do restaurante chinês. Após a acusação de Maneco, Arias teve a prisão decretada em 09 de março de 1938. Sua prisão foi amplamente noticiada pelos jornais. Segundo o podcast Casos Forenses, produzido pelo TJ/SP, os jornais chamaram Arias de "monstro" e fizeram referência a sua aparência, à cor da sua pele e ao porte físico, considerando que ele tinha "o vigor necessário para cometer o crime". (continua na edição do próximo domingo)

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/394610/crime-do-restaurante-chines-suscitou-debate-sobre-racismo-em-1938

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.