Crianças crescidas

 

Encerrando o semestre com nossos alunos de teatro em São José do Rio Preto, em uma aula aberta aos pais, tivemos uma experiência marcante ao instigarmos a participação deles nos jogos teatrais que fazemos semanalmente com seus filhos.  

A princípio, a ideia do colégio era que os pais assistissem a aula para terem uma visão do que seus filhos vivenciam. Também teriam a oportunidade de conversarem conosco e nos questionarem sobre as atividades complementares oferecidas pela escola, no caso, o teatro.  

Ousamos convidar os pais a interagirem também, saindo da posição de espectadores para serem protagonistas, juntamente com os adolescentes, na expectativa que um ou outro se arriscasse nessa aventura de expor-se e brincar em público. Para nossa surpresa, a adesão foi de 100%! Os pais, ainda em suas roupas de trabalho ou vestidos formalmente para o momento, não hesitaram de se despirem da adultez e entrarem de corpo e alma no espaço cênico.  

E como se divertiram! Deixaram de lado as suas preocupações de vida adulta para investirem em seu lado criativo.  

O que é o adulto? Para a escritora Simone de Beauvoir, o adulto “é uma criança inchada pela idade”. Naquele momento, no colégio, entre adolescentes e uma proposta de interação em torno do jogo teatral, todos adultos voltaram a ser crianças.  

Por que a Arte é infantil? Não. Porque a Arte liberta.  

Quantos de nós já não cantou e dançou no banheiro, mesmo já adultos formados, sérios e compromissados? Quantos sorrisos esboçados, lágrimas corridas, apertos no peito, arrepios na pele já não vivenciamos com uma música, uma tela, uma foto, uma poesia, um filme, um espetáculo, uma dança, uma escultura, mesmo já formatados pelo conceito de uma vida dominada pelo cotidiano concreto, palpável?  

“Afinal de contas, os adultos são apenas crianças crescidas”, afirmou um dos maiores criadores para a infância, Walt Disney.  

Porque a criança nunca nos abandona, nós a esquecemos num limbo e, na maioria das vezes, não temos forças para resgatá-la porque nos falta a coragem. 

Com aqueles pais e filhos, interagindo entre risos e emoção, através do teatro, ficou absolutamente claro o que sempre soubemos: a arte salva, ela é necessária, é um respiro para os nossos dias cinzas, nublados, aparentemente sem perspectivas de melhoras.  

Ficamos muito felizes com isso porque há décadas trabalhamos com crianças e jovens e nem sempre os pais têm acesso a esse processo transformador que Arte proporciona. Eles também ficaram felizes porque não só vivenciaram essa experiência com os filhos como também puderam resgatar sua criança interior.  

Enxergamos nos olhos de cada adulto o brilho sem medo, a luz do encantamento. Entregaram suas mentes e corpos à dança do momento. 

E por que não viver isso todos os dias? Por que ser adulto é somente ter que carregar o peso da seriedade e do cálculo diário? O que nos proíbe ou reprime de redescobrirmos quem somos? 

Não abdiquemos dessa criança, dos momentos mais simples e puros que podemos ter diariamente, seja no trabalho, em família, sozinhos... A Arte permite que essa criança se perpetue e nos devolva a força para enfrentarmos os desafios do dia a dia. Nos permitamos a isso.

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.