Conformidade Contratual

A conformidade contratual, conhecida como compliance, é um elemento fundamental para garantir a segurança jurídica e a eficácia das relações contratuais, tanto no setor privado quanto no público. Embora ambos compartilhem o objetivo de garantir que os contratos sejam cumpridos de acordo com a legislação, os requisitos e os desafios de conformidade são profundamente diferentes em cada contexto.

No setor privado, a liberdade contratual é um dos princípios básicos que regem as negociações. As partes têm ampla autonomia para ajustar os termos de acordo com suas necessidades e expectativas, desde que respeitem os limites impostos pela lei. Essa flexibilidade permite maior adaptação às condições de mercado, facilitando a inovação e a criação de soluções personalizadas. Em contratos privados, a governança contratual é, em geral, interna, sendo responsabilidade das empresas zelar pela correta execução dos contratos, por meio de programas de compliance corporativo que garantam que suas operações estejam alinhadas às normas vigentes.

Por outro lado, os contratos públicos seguem um regime bem mais rigoroso. Regidos por legislações específicas, como a Lei nº 14.133/21, os contratos públicos são norteados por princípios constitucionais que garantem a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses princípios refletem o dever da administração pública de atuar em prol do interesse coletivo, o que impõe limites à flexibilidade das cláusulas contratuais. Diferente do setor privado, em que as partes têm liberdade para negociar, os contratos públicos devem seguir o que foi estabelecido em um edital de licitação, e qualquer alteração nas suas condições precisa ser justificada e autorizada por critérios legais. Isso significa que a gestão de contratos públicos é mais formal e sujeita a um controle externo muito mais rigoroso, que inclui a fiscalização por órgãos como Tribunais de Contas, Ministério Público e demais entes de controle.

Nos contratos públicos, a conformidade não se limita apenas ao cumprimento de regras internas da empresa, mas envolve também a observância estrita das normas que regulam a atuação do poder público. Desde a licitação até a execução contratual, todas as etapas são meticulosamente supervisionadas, com o objetivo de garantir que os recursos públicos sejam empregados de maneira eficiente e transparente. A legislação exige que os processos sejam realizados de forma impessoal, evitando privilégios e assegurando a igualdade de condições entre os concorrentes. Além disso, há a necessidade de rigor na execução financeira, com monitoramento constante para evitar fraudes, desvios e malversação de recursos públicos.

A fiscalização rígida dos contratos públicos também implica sanções mais severas em casos de descumprimento. Empresas que cometem infrações podem ser penalizadas com multas, suspensão temporária de participar de licitações e até mesmo a declaração de inidoneidade, o que as impede de contratar com o poder público por determinado período. Essa diferença de tratamento é justificada pela necessidade de proteger o interesse público, que é a essência dos contratos administrativos. Já no setor privado, a conformidade, embora importante, está mais voltada para a resolução de litígios entre as partes, geralmente em esferas judiciais ou arbitrais, onde prevalecem os interesses particulares.

A governança e a responsabilidade também se manifestam de maneira distinta nos dois setores. Em contratos privados, a questão da conformidade está muito relacionada ao compliance interno da empresa, que adota mecanismos para garantir que suas operações estejam em conformidade com as normas legais e regulatórias. No setor público, a conformidade envolve uma série de controles externos, e as decisões estão sujeitas à fiscalização contínua por órgãos especializados que visam assegurar que as ações da administração pública atendam aos princípios constitucionais e legais.

Assim, enquanto os contratos privados privilegiam a liberdade de pactuar dentro dos limites legais, os contratos públicos exigem conformidade estrita com regras que buscam garantir a moralidade e a transparência no uso dos recursos públicos. Essa distinção é crucial para garantir que os diferentes interesses — privado e público — sejam protegidos de maneira adequada e eficiente.

Autor

Jaquelini Cristina de Godeis
Advogada. Ex-Assistente Especial da Assembleia Legislativa de São Paulo. Especializada em Direito de Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Direito Contratual pela PUC-SP e Mestranda em Direito Público.