Conflito de competências: um obstáculo à eficiência estatal?

O Direito Administrativo brasileiro enfrenta uma série de desafios que impactam diretamente a eficiência da gestão pública. Um dos problemas recorrentes é o conflito de competências entre diferentes órgãos e esferas de governo. Essa questão, que pode parecer meramente burocrática, tem implicações profundas na execução de políticas públicas e na prestação de serviços à população, gerando não apenas ineficiência, mas também insegurança jurídica.

A competência administrativa, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é distribuída entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa repartição visa garantir uma divisão de responsabilidades que respeite as particularidades regionais, promovendo a descentralização e aproximando o poder público dos cidadãos. Contudo, a sobreposição ou a indefinição de competências entre essas esferas de governo tem gerado atritos frequentes.

Em muitos casos, a ausência de critérios claros para determinar a quem cabe a execução de certas funções administrativas provoca um verdadeiro "jogo de empurra" entre órgãos públicos. Como resultado, obras e projetos importantes ficam paralisados, prejudicando o desenvolvimento de políticas públicas essenciais, como saúde, educação e infraestrutura.

Esses conflitos não se restringem apenas às relações entre entes federativos, mas também ocorrem dentro de uma mesma esfera de governo, entre diferentes órgãos ou entidades. No âmbito federal, por exemplo, o embate entre diferentes ministérios ou autarquias pode dificultar a implementação de políticas coordenadas, especialmente em áreas que demandam uma atuação conjunta, como a regulação de grandes obras de infraestrutura ou a gestão de crises de saúde pública.

No contexto de crises, como a pandemia de Covid-19, o conflito de competências tornou-se especialmente evidente. As divergências entre Estados e União sobre medidas de isolamento social, vacinação e gestão de recursos públicos ilustraram como a falta de coordenação entre os entes federados pode comprometer a eficácia de respostas governamentais em situações emergenciais. O Supremo Tribunal Federal (STF) precisou intervir para estabelecer que governadores e prefeitos tinham autonomia para implementar medidas de saúde pública em suas respectivas regiões, ainda que a União mantivesse suas competências legislativas gerais sobre o tema.

Diante desse cenário, é fundamental pensar em soluções que possam mitigar os conflitos de competências e promover uma maior cooperação entre os entes públicos. A adoção de mecanismos de governança interfederativa, como consórcios públicos e a criação de instâncias de diálogo permanente entre os governos federal, estaduais e municipais, pode contribuir para reduzir o atrito e aumentar a eficiência das políticas públicas.

Por fim, a eficiência estatal depende, em grande medida, de uma administração pública que funcione de forma coordenada, clara e transparente. O conflito de competências, embora muitas vezes negligenciado nos debates sobre a gestão pública, é um entrave significativo à execução de políticas públicas de qualidade. A superação desse problema requer não apenas ajustes legislativos, mas também uma mudança de postura por parte dos gestores públicos, que devem buscar soluções cooperativas em vez de se limitarem a disputas de poder.

Autor

Jaquelini Cristina de Godeis
Advogada. Ex-Assistente Especial da Assembleia Legislativa de São Paulo. Especializada em Direito de Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Direito Contratual pela PUC-SP e Mestranda em Direito Público.